domingo, 9 de novembro de 2008

Steve MacQueen, o mesotelioma e o jogo bruto da cadeia exploradora do amianto

* Publicado no Jornal "Diário da Manhã", em 09.11.08

“A vitória da razão só pode ser a vitória das pessoas razoáveis,
a razão não existe por si mesma, ela existe na conduta, na ação das pessoas.
Então, se as pessoas razoáveis não vencem, a razão não prevalece.”
Bertold Bretcht

Steve MacQueen, famoso ator norte-americano, morreu em 07 de novembro de 1980, aos cinqüenta anos, vítima de mesotelioma, um tipo de câncer causado pelo amianto, uma fibra mineral resistente, incombustível, isolante térmica, acústica e elétrica, utilizada no Brasil em mais de 3000 produtos da área da construção, dos tecidos e de autopeças. Em sua juventude, Terence Steve MacQueen foi marine na fuzilaria naval americana, que utiliza o amianto, entre outros lugares, nas tubagens a vapor. Inicialmente, os navios continham entre 220 e 250 toneladas de amianto em telas, azulejos etc.
O mesotelioma é um tumor incurável, que pode aparecer entre 20 a 40 anos após a contaminação pelo asbesto (amianto) e após o diagnóstico, a pessoa portadora possui uma sobrevida em torno de 8 a 14 meses. A morte é lenta, precedida por fortes dores pulmonares, cansaço físico e falta de ar.
Banido em 45 países do mundo, o amianto foi classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, da Organização Mundial de Saúde (OMS), como substância cancerígena para humanos em qualquer estágio de produção, transformação e uso.
Porém, no último dia 31 de outubro, na Reunião das Partes (COP4), no âmbito do Programa para o Meio Ambiente da Convenção de Rotterdam, que acontece de dois em dois anos, Brasil e Canadá se mantiveram neutros quanto à inclusão do amianto na lista de produtos cuja comercialização é regulamentada pela Convenção de Rotterdam. Casaquistão, Índia, México e Paquistão, entre outras nações, se manifestaram contra a inclusão do amianto na lista monitorada.
A Dra. Fernanda Giannazi, Auditora Fiscal do Ministério do Trabalho em São Paulo e Coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina, recebedora de prêmios em Nova York e no Japão, comentou em entrevista à revista Consultor Jurídico, que este voto neutro foi “covarde e hipócrita, baseado em dúvidas que existiriam no interior do governo sobre a nocividade da crisotila ou amianto branco. Na reunião havida no Ministério de Relações Exteriores, cumprindo protocolo internacional, a dita "sociedade civil" e os órgãos governamentais foram "ouvidos" e, com exceção de um técnico que desconhecia o tema, representando o Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior (MDIC), havia unanimidade entre os presentes (representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, Saúde, Trabalho, Agricultura, ANIVSA, das vítimas (ABREA), Rede Brasileira de Justiça Ambiental / GT Químicos) de que o amianto deveria ser listado para fins de comércio internacional. Ao vermos a ausência dos lobbystas pró-amianto no MRE, um sinal de alerta soou: e a prova está aí; as negociações não passaram pelos trâmites protocolares tradicionais. Tudo foi decidido nos bastidores”.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), no Critério de Saúde Ambiental 203, declarou que “nenhum limite de tolerância foi identificado para os agentes carcinogênicos; que onde materiais substitutos para crisotila estiverem disponíveis eles devem ser considerados para uso; e que a exposição ao amianto crisotila aumenta os riscos de asbestose, câncer de pulmão e mesotelioma em função da dose.”
Entre as doenças relacionadas ao amianto estão a asbestose (doença crônica pulmonar de origem ocupacional), o câncer de pulmão e do trato gastrointestinal e o mesotelioma. São doenças progressivas, irreversíveis, de difícil tratamento e que, na maioria das vezes, são subnotificadas, pois a contaminação por amianto tem um intervalo de até 30 anos para se manifestar e quando acontece, o trabalhador já saiu deste mercado, já está aposentado.
Em São Paulo, a Lei 12.684, de 2007, que proíbe o uso do amianto em qualquer instância, levou à queda nas ações da Eternit, que atingiu cotação mínima no final desse ano. Outros estados e municípios brasileiros já baniram o amianto.
Hermano Castro, da Fiocruz, Doutor em Saúde Pública, constatou pautado em dados, que “o Brasil terá uma epidemia de mesotelioma entre os anos de 2010 e 2020. Só então o tumor vai aparecer nos operários contaminados nas décadas de maior consumo, de 70 e 80 e quem vai pagar a conta do amianto é a sociedade, pelo SUS e pela Previdência".
Segundo a ABREA, não existe no Brasil nenhum estudo a respeito de doenças provocadas pela exposição ao amianto. Nem no Ministério da Saúde, nem no Ministério da Previdência. A entidade afirma que 680 casos já foram confirmados.
No enfrentamento contra a produção de amianto, Dra. Fernanda Giannazi sofreu, no final dos anos 90, sérias retaliações, correndo riscos de morte “física e social”.
Longe de ação panfletária, esta luta denuncia uma “prática desenvolvimentista assassina, destrutiva e poluente”, defendida no Congresso pela “bancada do amianto”, que teve campanha patrocinada pela SAMA e defende o “uso controlado do amianto”, que comprovadamente não existe e ainda, alega prejuízos econômicos inafiançáveis citando inclusive os postos de trabalho existentes em função de uma atividade que vitima trabalhadores, familiares, vizinhança das minas e consumidores dos seus produtos.

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