*Publicado no jornal Diário da Manhã, em 12.11.10
Como admitir que imagens autorizadas não sejam suficientes para denúncia, quando a situação foi investigada por quase um mês e delatada por pessoas tão materializadas quanto às crianças submetidas aos maus tratos e torturas pela proprietária e orientadora pedagógica da escolinha/berçário que formava bebês infelizmente, com a antiga “pedagogia de Auschwitz”.
Ora, além de detenção imediata para averiguações mais minuciosas, a Justiça deveria ter startado imediatamente – para o que ainda há tempo, alguns questionamentos a luz do Estatuto de Crianças e Adolescentes, de modo a garantirmos efetivamente a primazia e a precedência na proteção e no atendimento dos direitos de crianças e adolescentes.
Este estatuto, o ECA, precisa ser conhecido pela sociedade, que é co responsável pelos direitos e pela proteção de crianças e adolescentes neste nosso Brasil varonil.
Basta ler seu Art. 4º, que diz: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Desde que se tornou Lei, fala-se no aperfeiçoamento do ECA.
Sequer, o ECA é respeitado, considerado, na prática diária de alguns trabalhadores que lidam com crianças e adolescentes. E muitos também não o conhecem.
Penso que o ECA deve ser trabalhado com crianças a partir dos sete anos, e, por conseguinte com seus familiares, através da escola formal e demais aparelhos sociais comunitários que desenvolvem atividades com famílias, crianças e adolescentes. Toda família deve receber um, junto com a caderneta de vacinação da criança.
A família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público devem cobrar, o respeito ao ECA, e em caso de desrespeito, a aplicação e o cumprimento da pena prevista, claro.
O vexame e/ou constrangimento de crianças e adolescentes, por exemplo, rende pena de detenção de 6 meses a 2 anos, a qualquer pessoa detentora de autoridade, guarda ou vigilância destas, de acordo com o artigo 232 do ECA.
Causou-me espanto a atitude do magistrado neste caso do Berçário Bebê Feliz, diante da regularidade processual. O alarde na imprensa, que foi acionada antes da prisão. O descaso com o material de prova dos fatos.
Mas muito mais me espanta, a omissão e a negligência dos conselhos de direitos de crianças e adolescentes. Das instâncias responsáveis, da Educação municipal.
Espanta-me a ineficiência no acompanhamento e na fiscalização das instituições e empresas ligadas à vida de crianças e adolescentes em nossa capital, em nosso Estado, em nosso país.
Repugna-me a idéia da política voltada para os “pobres” e não para a dignidade humana. A idéia da religiosidade e da benevolência presentes nas políticas públicas de direito, que devem ser fundamentadas cientificamente e desenvolvidas tecnicamente.
Impressiona-me o número de reincidentes nos tratamentos por dependência química e nos atos infracionais. A precariedade na aplicação das medidas, que não recuperam.
Também, a barbárie crescente, a bestialização da vida.
Indigna-me a nossa falta de tempo, para criarmos nossos filhos. Para discutirmos o sentido de nossas vidas, nossas opções, limites, possibilidades, crenças, objetivos, caminhos. Para conhecermos melhor nosso próximo. O nosso conformismo e também o barulho inócuo das turbas.
A cada dia tenho mais certeza de que não temos que ter filhos para o Estado criar. De que o Estado não está a parte de nós. Tenho mais certeza de que temos que ter menor jornada de trabalho. E mais planejamento familiar.
Penso que talvez, a proprietária do berçário Bebê Feliz, Maria do Carmo Serrano, 62 anos, acreditasse que tinha o direito de agir como agia. Que estava educando. Claro que não é normal. A política pedagógica dela é malvada. Mas esta política é mais comum do que se pode imaginar. Como terá sido a política em que ela foi educada? Ela criou filhos?
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