Sei bem pouco da
luta da Saúde em Goiás, mas sempre respeitei o movimento, que
conheci há mais de 20 anos, quando comecei a militar em partido
político. Havia uma vanguarda realmente ativa, na Saúde, em Goiás.
Eis o problema das vanguardas: resultam das desigualdades e das
separações que existem no todo social, formadas por pessoas que
lideram modelos intelectuais e experiências cotidianas acima ou à
frente de um conjunto maior de pessoas, quase sempre sem compreensão
da totalidade. E quando elas desaparecem, os movimentos que
representam, muitas vezes, se enfraquecem.
Não
quero pensar o Brasil à época do INPS e fazer aqui, a defesa do
SUS. Mas acompanhei bem a luta pela Reforma Psiquiátrica e não
tenho dúvida de que defendo que o poder público invista em uma Rede
de Atendimento Psicosocial própria e não em “comunidades
terapêuticas”, clínicas e hospitais psiquiátricos conveniados,
que promovam qualquer tipo de exclusão.
Talvez
por ter sido criada muito próxima à parentes e amigos da família,
em situação de sofrimento mental e por ter, desde muito menina,
frequentando estabelecimentos para reabilitação e asilo, junto à
minha mãe, visitando conhecidos e desconhecidos e ver que esta
convivência depende muito mais de quem se diz “normal”, por
exemplo; ou por saber de casos de clínicas e/ou centros de
recuperação que excedem em medicamentos e usam de medidas indignas
e desumananizantes, ou ainda, diante dos tantos casos de “recaídas”
e surtos, que vemos e/ou ficamos sabendo, entre pessoas que já
passaram por internações. Seja por problema genético ou adquirido,
temporário ou crônico.
Este
é um assunto tão amplo e tão pouco discutido. Principalmente sob o
viés cultural. Da cultura que não tolera o diferente, o singular.
Da cultura que restringe a vida à sobrevivência em selvas de pedra
que não nos garantem os alimentos que causam bom humor, energia
vital, anticorpos de defesa; que não nos garante um ir e vir
pacífico, trabalhos prazerosos; que nos condena a relações
rápidas, superficiais, egocentricas, inseguras. De uma cultura que
nos impele a desejar e a querer amar e cuidar apenas de lindos e
domesticáveis seres.
A
saúde em geral e mais especificamente, a mental, e o sofrimento
mental, relacionam-se com o modo de vida, por isso, dependem em
muito,.da cultura.
A
cultura que encarcerava e retirava de circulação, pessoas
“improdutivas” ou que não se adequavam a determinados padrões e
regras e as privava de direitos humanos básicos, depois de muita
luta e questionamentos, foi compreendida como desprezível.
No
final dos anos de 1970, o movimento de luta pela saúde mental no
Brasil tomou força e ganhou visibilidade, mas somente no início
deste século, em 2001, a
Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001 -
da Reforma
Psiquiátrica, foi aprovada, após muita luta de trabalhadores,
usuários e familiares de usuários, com denúncias, conferências,
pesquisas, congressos e mobilizações junto ao poder público e
setores da sociedade.
No
entanto, na última década quase nada tem sido feito em favor da
saúde mental em Goiás, e impressiona o poder da antiga “indústria
da loucura”. Não me importa se alguém ou algum grupo quer ganhar
dinheiro. O que indigna é a falta de responsabilidade socioeconômica
do nosso setor empresarial, no mínimo; a preguiça de refletir, de
ter que fazer diferente, de ter criatividade, buscar novas
possibilidades. E a desfaçatez do poder público, ora esculhambado
exatamente por não defender e garantir qualidade nos serviços que
presta, financiado por cidadãos e cidadãs, em sua burocracia,
ineficácia e em seus coluios, com entes privados perniciosos.
Ora,
precisamos pensar a saúde mental em Goiânia, desde os reflexos da
falta dela, no trânsito, por exemplo; na violência que nos assola
se revelando em crimes diversos e horrendos e na permanência de
pessoas em situação de rua, quando a secretaria municipal
responsável por acolher e promover, discrimina, exclui e avassala,
até o cotidiano da busca dela, quando a secretaria municipal
responsável por ela, não oferece os recursos necessários ao seu
pleno funcionamento, que depende de insumos e medicamentos, pessoal
capacitado e em número suficiente, espaços adequados aos serviços
oferecidos e fundamentalmente, articulação com outras secretarias e
setores da sociedade, para esclarecimentos quanto à política de
saúde mental vigente e ações em rede, para o atendimento das
pessoas, de forma integral e não pontual ou com foco na
doença/problema.
As
interfaces entre a saúde, educação, asistência social, moradia, o
trabalho e o lazer precisam ser compreendidas e trabalhadas pelo
poder público, para a efetividade da Reforma Psiquiátrica.
A saúde, reitero, depende do que se come, do que se bebe, de sono
satisfatório; depende das relações sociais e de trabalho, do
lazer, da moradia digna, da educação que promove e liberta.
Depende, muitas vezes, de acompanhamento clínico específico, de
compreensão multifatorial e sempre, de cuidados multisetoriais.
O
mercado precisa se atentar para isto e ampliar a produção para a
cultura da vida, da saúde. A sociedade precisa parar para entender
verdadeiramente o que se passa com ela, deixar de ser alienada.
No
Dia 18/05, comemora-se o Dia de Luta Antimanicomial e chamamos a
atenção para o fato de que tanto nossas autoridades políticas como
jurídicas e a sociedade, ainda estão de fora desta luta, embora a
Reforma Psiquiátrica seja Lei e prerrogativa do SUS.
A Associação de
Usuários da Saúde Mental de Goiás, juntamente com o Fórum Goiano
de Saúde Mental, em parceria com trabalhadores da Prefeitura de
Goiânia, realizou nesta semana, de 12 a 15/05, a Semana de Luta
Antimanicomial, no Espaço Sonhus do Colégio Lyceu, com diversas
atrações artísticas como Miquéias Paz, Milla Tuli, Duo Goiás,
Projeto Mazombo além de apresentações teatrais, oficinas, rodas de
conversa e exibição de vídeos. Ao final, grande passeata.
Seria inintendível
para Goiânia, a solução dada pelo prefeito, para o
descredenciamento de leitos, pelos hospitais psiquiátricos
conveniados com a Prefeitura, se já não soubéssemos da torpeza e
mediocridade de nosso mercado, quando se encosta no poder público
para levar vantagem e este é fraco, inconsequente, insustentável e
ainda, favorece sempre, ao setor privado.
Ora, os CAPS
precisam funcionar como estão previstos, em quantidade e qualidade.
Toda a rede pública está com suas unidades comprometidas, em seus
funcionamentos, seja por problemas técnicos com pessoal ou por suas
estruturas físicas. Sequer atingimos metas de vacinação, em
Goiânia. Mas o prefeito mais do que dobrou, diante de pressãozinha
do mercado de saúde, o valor per capta do que é pago, pelo
atendimento nas clínicas particulares. E aonde estava este dinheiro?
É a pergunta que não quer calar.
Fica difícil
trabalharmos a contento. Trabalhadores e usuários estão revoltosos
com tal atitude. A sociedade fecha os olhos e a boca, diante da
situação. Mal percebe que o problema da saúde mental não é
“coisa de loucos” (como se loucos fossem desprezíveis), mas de
pessoas com depressão, ansiedade, bipolaridade, esquisofrenia,
autismo, déficit de atenção... E de pessoas que convivem
diariamente com esta pessoas, lembrando que qualquer pessoa está
sujeita a problemas com saúde mental; não existe vacina, mas
controle..
É como bem disse
o Sr. Valterson, da Associação de Usuários da Saúde Mental em
Goiânia, não queremos um atendimento de internação melhor.
Queremos um sistema de saúde público e de qualidade. Ele citou a
modernização do telefone para ilustrar este entendimento: criou-se
o smartfone, mas a função básica do telefone, é a mesma.
Não queremos
segregação, intolerância. Precisamos de uma sociedade que tenha
mais tempo para a saúde, trabalho dignificante, relações sadias.
Queremos uma sociedade que respeite diferenças, individualidades;
que cultive a tolerância com limites e opções pessoais. Que
estimule o protagonismo e a promoção social, o auto-conhecimento, a
auto-realização, a construção de um mundo melhor, justo,
solidário.
Particularmente,
admito que algumas pessoas optam pelo serviço hospitalocêntrico,
para o próprio tratamento ou de parente com sofrimento mental e
respeito, claro. É interessante oferecermos também, esta opção,
ainda. Mas no poder público, a Lei vigente ordena investimento
efetivo no SUS, e não, aparente.