sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A luta da Saúde, o Dia 18 de Maio e a politicagem que enlouquece

   *Artigo publicado no jornal "Diário da Manhã" em 16.05.2014


Sei bem pouco da luta da Saúde em Goiás, mas sempre respeitei o movimento, que conheci há mais de 20 anos, quando comecei a militar em partido político. Havia uma vanguarda realmente ativa, na Saúde, em Goiás. Eis o problema das vanguardas: resultam das desigualdades e das separações que existem no todo social, formadas por pessoas que lideram modelos intelectuais e experiências cotidianas acima ou à frente de um conjunto maior de pessoas, quase sempre sem compreensão da totalidade. E quando elas desaparecem, os movimentos que representam, muitas vezes, se enfraquecem.
Não quero pensar o Brasil à época do INPS e fazer aqui, a defesa do SUS. Mas acompanhei bem a luta pela Reforma Psiquiátrica e não tenho dúvida de que defendo que o poder público invista em uma Rede de Atendimento Psicosocial própria e não em “comunidades terapêuticas”, clínicas e hospitais psiquiátricos conveniados, que promovam qualquer tipo de exclusão.
Talvez por ter sido criada muito próxima à parentes e amigos da família, em situação de sofrimento mental e por ter, desde muito menina, frequentando estabelecimentos para reabilitação e asilo, junto à minha mãe, visitando conhecidos e desconhecidos e ver que esta convivência depende muito mais de quem se diz “normal”, por exemplo; ou por saber de casos de clínicas e/ou centros de recuperação que excedem em medicamentos e usam de medidas indignas e desumananizantes, ou ainda, diante dos tantos casos de “recaídas” e surtos, que vemos e/ou ficamos sabendo, entre pessoas que já passaram por internações. Seja por problema genético ou adquirido, temporário ou crônico.
Este é um assunto tão amplo e tão pouco discutido. Principalmente sob o viés cultural. Da cultura que não tolera o diferente, o singular. Da cultura que restringe a vida à sobrevivência em selvas de pedra que não nos garantem os alimentos que causam bom humor, energia vital, anticorpos de defesa; que não nos garante um ir e vir pacífico, trabalhos prazerosos; que nos condena a relações rápidas, superficiais, egocentricas, inseguras. De uma cultura que nos impele a desejar e a querer amar e cuidar apenas de lindos e domesticáveis seres.
A saúde em geral e mais especificamente, a mental, e o sofrimento mental, relacionam-se com o modo de vida, por isso, dependem em muito,.da cultura.
A cultura que encarcerava e retirava de circulação, pessoas “improdutivas” ou que não se adequavam a determinados padrões e regras e as privava de direitos humanos básicos, depois de muita luta e questionamentos, foi compreendida como desprezível.
No final dos anos de 1970, o movimento de luta pela saúde mental no Brasil tomou força e ganhou visibilidade, mas somente no início deste século, em 2001, a Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001 - da Reforma Psiquiátrica, foi aprovada, após muita luta de trabalhadores, usuários e familiares de usuários, com denúncias, conferências, pesquisas, congressos e mobilizações junto ao poder público e setores da sociedade.
No entanto, na última década quase nada tem sido feito em favor da saúde mental em Goiás, e impressiona o poder da antiga “indústria da loucura”. Não me importa se alguém ou algum grupo quer ganhar dinheiro. O que indigna é a falta de responsabilidade socioeconômica do nosso setor empresarial, no mínimo; a preguiça de refletir, de ter que fazer diferente, de ter criatividade, buscar novas possibilidades. E a desfaçatez do poder público, ora esculhambado exatamente por não defender e garantir qualidade nos serviços que presta, financiado por cidadãos e cidadãs, em sua burocracia, ineficácia e em seus coluios, com entes privados perniciosos.
Ora, precisamos pensar a saúde mental em Goiânia, desde os reflexos da falta dela, no trânsito, por exemplo; na violência que nos assola se revelando em crimes diversos e horrendos e na permanência de pessoas em situação de rua, quando a secretaria municipal responsável por acolher e promover, discrimina, exclui e avassala, até o cotidiano da busca dela, quando a secretaria municipal responsável por ela, não oferece os recursos necessários ao seu pleno funcionamento, que depende de insumos e medicamentos, pessoal capacitado e em número suficiente, espaços adequados aos serviços oferecidos e fundamentalmente, articulação com outras secretarias e setores da sociedade, para esclarecimentos quanto à política de saúde mental vigente e ações em rede, para o atendimento das pessoas, de forma integral e não pontual ou com foco na doença/problema.
As interfaces entre a saúde, educação, asistência social, moradia, o trabalho e o lazer precisam ser compreendidas e trabalhadas pelo poder público, para a efetividade da Reforma Psiquiátrica.
A saúde, reitero, depende do que se come, do que se bebe, de sono satisfatório; depende das relações sociais e de trabalho, do lazer, da moradia digna, da educação que promove e liberta. Depende, muitas vezes, de acompanhamento clínico específico, de compreensão multifatorial e sempre, de cuidados multisetoriais.
O mercado precisa se atentar para isto e ampliar a produção para a cultura da vida, da saúde. A sociedade precisa parar para entender verdadeiramente o que se passa com ela, deixar de ser alienada.
No Dia 18/05, comemora-se o Dia de Luta Antimanicomial e chamamos a atenção para o fato de que tanto nossas autoridades políticas como jurídicas e a sociedade, ainda estão de fora desta luta, embora a Reforma Psiquiátrica seja Lei e prerrogativa do SUS.
A Associação de Usuários da Saúde Mental de Goiás, juntamente com o Fórum Goiano de Saúde Mental, em parceria com trabalhadores da Prefeitura de Goiânia, realizou nesta semana, de 12 a 15/05, a Semana de Luta Antimanicomial, no Espaço Sonhus do Colégio Lyceu, com diversas atrações artísticas como Miquéias Paz, Milla Tuli, Duo Goiás, Projeto Mazombo além de apresentações teatrais, oficinas, rodas de conversa e exibição de vídeos. Ao final, grande passeata.
Seria inintendível para Goiânia, a solução dada pelo prefeito, para o descredenciamento de leitos, pelos hospitais psiquiátricos conveniados com a Prefeitura, se já não soubéssemos da torpeza e mediocridade de nosso mercado, quando se encosta no poder público para levar vantagem e este é fraco, inconsequente, insustentável e ainda, favorece sempre, ao setor privado.
Ora, os CAPS precisam funcionar como estão previstos, em quantidade e qualidade. Toda a rede pública está com suas unidades comprometidas, em seus funcionamentos, seja por problemas técnicos com pessoal ou por suas estruturas físicas. Sequer atingimos metas de vacinação, em Goiânia. Mas o prefeito mais do que dobrou, diante de pressãozinha do mercado de saúde, o valor per capta do que é pago, pelo atendimento nas clínicas particulares. E aonde estava este dinheiro? É a pergunta que não quer calar.
Fica difícil trabalharmos a contento. Trabalhadores e usuários estão revoltosos com tal atitude. A sociedade fecha os olhos e a boca, diante da situação. Mal percebe que o problema da saúde mental não é “coisa de loucos” (como se loucos fossem desprezíveis), mas de pessoas com depressão, ansiedade, bipolaridade, esquisofrenia, autismo, déficit de atenção... E de pessoas que convivem diariamente com esta pessoas, lembrando que qualquer pessoa está sujeita a problemas com saúde mental; não existe vacina, mas controle..
É como bem disse o Sr. Valterson, da Associação de Usuários da Saúde Mental em Goiânia, não queremos um atendimento de internação melhor. Queremos um sistema de saúde público e de qualidade. Ele citou a modernização do telefone para ilustrar este entendimento: criou-se o smartfone, mas a função básica do telefone, é a mesma.
Não queremos segregação, intolerância. Precisamos de uma sociedade que tenha mais tempo para a saúde, trabalho dignificante, relações sadias. Queremos uma sociedade que respeite diferenças, individualidades; que cultive a tolerância com limites e opções pessoais. Que estimule o protagonismo e a promoção social, o auto-conhecimento, a auto-realização, a construção de um mundo melhor, justo, solidário.
Particularmente, admito que algumas pessoas optam pelo serviço hospitalocêntrico, para o próprio tratamento ou de parente com sofrimento mental e respeito, claro. É interessante oferecermos também, esta opção, ainda. Mas no poder público, a Lei vigente ordena investimento efetivo no SUS, e não, aparente.

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