quinta-feira, 4 de março de 2010

A CABALA DA INVEJA - Nilton Bonder

OBS.: TEXTO INCOMPLETO

“Receptáculo de raiva, muita raiva,
as invejas retêm no coração muito ódio.
Como “celulite emocional e espiritual”,
a inveja controla atos, situações e vidas inteiras”

CONDIÇÃO DE INVEJA

• “Moisés, no final de sua vida, quis saber de D’us porque teria que morrer”.
“Porque já nomeei Josué em teu lugar para liderar os israelitas”, respondeu D’us.
“Deixe que ele lidere”, contestou Moisés. “Eu serei seu servo”.
D’us concordou, mas Josué não gostou muito da situação. Moisés então lhe perguntou: “você não quer que eu permaneça vivo?”.
Josué consentiu e tornou-se líder e mestre até mesmo para ele, Moisés.
Quando foram entrar na Tenda Sagrada (onde se encontrava a Arca), uma nuvem surgiu. Josué foi autorizado a entrar no espaço sagrado e Moisés teve que permanecer do lado de fora.
Disse Moisés: “Uma centena de mortes são preferíveis à dor da inveja”.Naquele dia pediu para morrer.”(Crônicas de Moisés)”
• Você – Josué de cada um de nós – é o que não sou, fantasma de mim mesmo
• O trágico na condição de inveja é que esta não se instala, na grande maioria, das experiências, apenas no final da vida, como em nossa história. Representa, infelizmente, o final prematuro de muitas vidas. Vidas que preferem, como Moisés, extinguir-se a ter que enfrentar a dor da inveja. Morrem, na verdade, ao dedicarem suas vidas a dor da inveja, ou seja, dispendendo energia na expectativa de que o “outro” não seja bem-sucedido. Neste caso, a própria vida não é mais capaz de propiciar tanto prazer e contentamento quanto o fracasso do “outro”. O invejoso está diante de seu próprio cadáver, pois não é mais capaz de sentir por si só.
• Somos todos invejosos de todos. Com exceção daqueles que conseguimos perceber como extensão nossa invejamos a todos.
• A maneira com que cada um de nós lida com este sentimento, o período que ele permanece em nós e as conseqüências que lhe permitimos causar, variam consideravelmente de pessoa a pessoa.
• Hoje, graças à psicanálise, compreendemos muito sobre as origens e anomalias da inveja. Sabemos, por exemplo, que remontam a momentos primários da relação do bebê com a frustração e a satisfação. Reconhecemos com maior facilidade que é impossível se evitar a experiência da carência, da fome, do frio, da dor e do desconforto. Ao mesmo tempo, temos consciência da necessidade de afeto e atenção para, apesar das experiências de frustração, encontrarmos equilíbrio na maneira de vivermos nossas vidas.
• Nosso interesse não é tanto o estudo da patologia da inveja, mas a convivência com a mesma. A sabedoria antiga, construída das “dores de barriga” de gerações passadas, de reflexões posteriores à revelação dos ímpetos e atitudes acumulados durante nossa história coletiva, é herança valiosíssima para a construção do ser potencial que somos hoje.
• Isolar o vírus da inveja e identificá-lo em meio a suas inúmeras dissimulações é investir na descoberta de nossa verdadeira cara; é olhar a realidade com outra visão. Poder enxergar em meio à escuridão da superficialidade reduz o nível de agressividade deste mundo e torna nossa realidade mais aceitável, mais tolerável.
• Descobriremos acima de tudo que a injustiça é uma condição originada pelo modo com que abordamos um problema ou questão. Podemos construir enormes estruturas de injustiça em nossas mentes e sentimentos para lidar com a mágoa e a inveja. Torna-se fundamental, então, para nossa qualidade de vida evitarmos cair nas armadilhas que nos justificam a partir da injustiça. Isto, porque, além da perda de tempo e energia, nos descobrimos encurralados na solidão destes sentimentos.

ÓDIO COMO INVEJA
A Descoberta da Rixa

• No ciúme queremos obter algo para nós, independente deste “outro” de quem temos ciúme.
• O ciúme tem seu centro em nós mesmos; o outro é apenas o intermediário para expressarmos o quanto desejamos algo. Na inveja, no entanto, o algo é o outro. Somos prisioneiros do outro. Nosso desejo é a destruição total daquilo que identificamos como o objeto do que não nos dá prazer, que nos frustra. A inveja é insaciável.
• O invejoso desgraça a todos, inclusive a si mesmo, de forma consciente.
• A inveja estabelece uma relação de rixa. A rixa é uma forma de ódio que se conserva, que não é dispendida.
• Conflitos de qualquer natureza estabelecem relações de rixa e de inveja.
• Abordando exatamente este sentimento, a bíblia (Lev. 19:17) estipula: “Não odiará teu próximo no teu coração!”.
• Devemos ser muito cuidadosos com o que penetra nossos corações, para que estes não sejam poluídos.
• Na verdade, todos os sentidos deveriam ser compreendidos como portões para o mundo externo, onde um rigoroso controle alfandegário se faz necessário. Na pratica judaica, esta alfândega é simbolizada pelo uso de estranhos objetos rituais chamados tefilin. Compostos de duas caixas de madeira contendo pergaminhos com textos bíblicos, os tefilin são colocados junto ao coração, no braço esquerdo, e na testa, entre os olhos. Com estes objetos a pessoa medita logo que acorda, conscientizando-se do dia que terá pela frente. Reconhece então que um novo dia se inicia e que aqueles que não conseguirem fazer uma leitura do mundo a sua volta além da superficialidade da rotina, terão, com certeza, um dia mais difícil.
• Os tefilin são primos próximos da mezuzá, amuleto na forma de pequena caixa contendo pergaminhos que é colocado nos portais das casas dos judeus e que são beijados ao se entrar e ao sair e ao entrar de casa. A razão de se fazer isto advém da possibilidade de sacralização do espaço interno da casa. Quando entramos em casa, tocamos a mezuzá como forma de perceber que tudo de ruim e pesado que possa ter ocorrido conosco deve ficar do lado de fora, ou ao menos, ser transformado, de forma a condizer com o novo meio que adentramos. Da mesma forma, ao sairmos de casa devemos perceber que abandonamos o espaço da intimidade e tolerância que abandonamos o espaço da intimidade e tolerância que é vivido neste meio. Na rua, devemos ser extremamente cuidadosos para não ofender, ou ser mal-entendidos. Na rua, o benefício da dúvida, o perdão imediato e o carinho gratuito são apenas ideais; até o dia em que todas as ruas e cidades sejam transformadas numa grande casa.
• O que entra e sai em forma de sentimentos de nosso coração deve ser resguardado para não poluir o mundo ou a nós mesmos. O que penetra nosso cérebro sob a forma de pensamento ou aquilo que externamos deve também estar sintonizado de maneira a não poluir nós mesmos com idéias nocivas.


INVEJA E ECOLOGIA

• Uma mente ou um coração pode tornar-se um depósito de elementos poluentes que não desaparecem com o tempo – não são degradáveis. Tanto a ingenuidade nata do coração como a da mente podem acumular suficientes dejetos de experiências de não-amor, frustração, violência, traição ou falsidade de forma a criar condições que não possibilitem a nosso sistema vital processá-los.
• Ou realizamos limpezas estruturais de tempos em tempos, permitindo-nos crises ou “sacudidas”, ou nossas mentes e corações se tornam saturados e incapazes de produzir “solo fértil” para pensamentos e sentimentos.
• Muitos são os que sucumbem à poluição e regridem ao estado animal puro, conseguindo apenas realizar operações triviais de pensamento e sentimento. São simplórios aprisionados ao que acreditam “ter razão”, como se houvesse algo absoluto por si próprio. Confundem justiça divina com o maniqueísmo de sua própria visão do mundo. Acreditam que há certo e errado, e não certos e errados, que podem em dadas condições, inverter as polaridades.
• Estar desesperado, com o rosto caído, não por fracassar, mas pelo sucesso do outro, é a descrição da dor da inveja.
• Sociedades mais consumistas são, sem sombras de dúvidas, sociedades mais invejosas e mais desejosas de ter. Investem sua energia de ser, sua vida, para adquirir sua própria enceradeira. Cada prédio poderia ter uma única enceradeira coletiva, porém, o desejo de ter sua enceradeira própria é conseqüência da descoberta publicitária de que a inveja é a descoberta publicitária de que a inveja é um sentimento humano intenso e poderoso.
• Segundo Melanie Klein, a inveja se instaura na ansiedade primeva relativa ao seio materno. Este seio que é visto como um “objeto bom”, é ao mesmo tempo, responsável por muita crueldade, ao privar ou gratificar alguém como o esperado.


INVEJA E IDOLATRIA

• Em relação ao décimo mandamento, que determina não se cobiçar o que é do outro, dizia o Radviler: “Aquele que não dispõe de autodisciplina para cumprir esta proibição com relação à cobiça deve recomeçar tudo de novo, repassando o primeiro mandamento: amar e reconhecer a justiça divina. Pois se realmente tal indivíduo acreditasse em D’us, não teria inveja daquilo que foi alocado como parte da porção de seu vizinho”.
• A inveja revela tanto a descrença na Força Ordenadora quanto aos desvios que fazem com que muitos dos que crêem sejam, em realidade, idólotras.
• Aquele que diz crer e que inveja, na verdade crê em algo ou em alguma justiça que não é absoluta. Provavelmente possui um Deus particular cuja visão de mundo e agenda são personalizadas. Sua manifestação no mundo se dá na confirmação de pequenas vitórias ou conquistas pessoais que os tornam arrogantes e egocentrados, invejosos clássicos.
• De onde tirar esta certeza que nos faça abarcar as premissas contidas nos Dez Mandamentos? De si, da capacidade de invejar menos ou de se satisfazer mais com as ofertas para ser, ao invés de reter e obter.
• Enquanto a inveja depõe constantemente em favor da irracionalidade das crenças em D’us, a gratidão age no sentido oposto.
• O estabelecimento de uma era messiânica é a expectativa não de uma comprovação externa da verdade contida em D’us, mas o predomínio absoluto do sentimento de gratidão. Um momento em que as pessoas não mais se identificarão. Um momento em que as pessoas não mais se identificarão com a inveja e a estranharão.


RANCOR NOUTROS MUNDOS

• A reação à dor é uma imediata disponibilidade animal para a briga ou para amaldiçoar aquele que nos pisa.
• Ter o “pé pisado” muitas vezes, mesmo com as devidas desculpas, acaba por criar um determinado tipo de ódio cumulativo; na tradição judaica, este primeiro nível do ódio receberá o nome de sin`hat chinam (raiva gratuita por tudo).


EXPRESSÕES HUMANAS DE RANCOR NOS QUATRO MUNDOS

- “Há quatro disposições na gradação da raiva: 1) naquele que é fácil de provocar-se e também fácil apaziguar-se, o que há de negativo neutraliza-se com o positivo; 2) naquele que é difícil de ser provocado e difícil de ser apaziguado, o que há de positivo, neutraliza-se com o negativo; 3) aquele que é difícil de ser provocado e fácil de ser apaziguado: este é o sábio; e 4) aquele que é facilmente provocado e dificilmente apaziguado: este é o perverso” (Ética dos Ancestrais 5:14)
- A situação do perverso e do sábio é evidente. O primeiro perde-se no pantanal enquanto o último passeia pelo pomar. O sábio tem uma leitura profunda da realidade que por si só torna difícil a provocação e que também lhe dá capacidade de rapidamente ajustar-se às situações da vida e de se controlar com facilidade.







ROUBANDO A ROUPA DO REI

- Ë bastante comum acharmos que a humildade é o outro extremo do orgulho, quando é, na realidade, uma situação de equilíbrio. O extremo oposto do orgulho é a falta de auto-estima. O humilde nada tem a ver com aquele que não consegue reconhecer e apreciar a si como parte das maravilhas deste mundo. Sua atitude, porém, é distinta do orgulhoso, que é totalmente centrado em si.
- O orgulho, no induz à crença de que estamos “certos”e obstrui nossa capacidade de relativizar e olhar situações sob diferentes perspectivas de nossa opinião ou julgamento já formados.
- Não há pior orgulho que o orgulho dos devotos
- Os momentos de transição estimulam a preservação do único bem não perecível: o autoconhecimento. Quando instituições e ideologias enfraquecem, não temos onde investir nossas vidas, a não ser no crescimento pessoal.
- Muitas pessoas desejam “ter”crescimento ao invés de vivê-lo.


HUMILDADE COM MÁXIMA SABEDORIA

“Nem todos se contentam com sua aparência, mas todos se contentam com seu cérebro!” (Provérbio iídiche)

- Para alguém poder chegar ao “temor a D`us” deve ultrapassar o culto ao deus da recompensa, o deus da necessidade imediata, o deus do poder, o deus da veneração pessoal e conseguir eliminar os elementos infantis de sua percepção simbólica de D’us.

RAZÕES PARA O ÓDIO


- Somos condicionados a amar tudo que percebemos como parte de nós ou de nossa essência.
- O crescimento pessoal ocorre da constante revisão de quem somos e, a partir daí, de buscarmos compreender quem são nossos filhos/irmãos ou discípulos/amigos. Quanto mais pobre nossa percepção de quem somos, mais limitada será nossa capacidade de incluir o outro sob uma destas duas categorias.
- Aquele que ama apenas a si ama algo muito pequeno pois é na sua incapacidade de encontrar grandeza e amplidão em si que se origina sua dificuldade de encontrar no mundo filhos/ irmãos ou discípulos/ amigos.
- Se deixamos lacunas na verdade, estas podem vir a ser preenchidas pelo outro e absorvidas como dolorosas mágoas.






RUBOR – Sangrando por Dentro

- A justiça não é simplesmente produto de uma lógica distante da realidade. Ao contrário, é uma resultante da interação de muitos indivíduos e muitas realidades. Portanto, é regra básica tomar-se muito cuidado com atitudes calcadas no direito que pensamos possuir a partir de uma injustiça.
- Não é tão óbvio o que nos diz o coração magoado ou injustiçado.


“FOFOCA” – A Rede Informal de Ódio

- Devemos ser cuidadosos não apenas para não agirmos levianamente espalhando “histórias”, como também educando-nos a não ouvi-las.
- “Saiba que aquele que escuta uma afirmação maldosa é tão perverso quanto aquele que a transmite”
- Os embustes da intriga não estão na essência do que é dito, mas na forma com que é transmitida; mesmo a lisonja e o elogio podem conter tanto veneno quanto a blasfêmia.


PISANDO NO PÉ

- O mesmo cuidado que uma pessoa esclarecida tem ao integrar-se a um grupo de outra cultura, deveria ter ao se aproximar de outras pessoas, buscando um comportamento que se adeque à realidade à qual nos agregamos.
- Não devemos nos esquecer que quando as pessoas nos pisam o pé, muitas vezes o fazem porque não deixamos nenhum outro espaço onde pudessem colocar o próprio pé, senão sobre o nosso.


TOMANDO COMO PESSOAL

- Na verdade, “tomar algo como pessoal” diz respeito a permitir-nos ingresso no mundo da inveja/rixa ou não. Resistir a este sentimento é uma reação típica provocada pelos “anticorpos”de nosso coração e mente diante da possibilidade de ceder ao rancor que neles se estabeleça
- Vozes e imagens nos garantem, repetindo cenas ou repassando diálogos, a autenticidade de nosso sentimento. Nesta situação estamos com problemas.
- Na verdade, realizamos muito de nossas ofensas de forma não verbal. O status de uma não ofensa é o mesmo de uma ofensa.
- Todo rancor está centrado na certeza de que sua pessoa foi objeto de ataque. Portanto, cabe em cada situação, além de percebermos a dimensão perigosa de rancor que evocamos ao tomarmos algo como pessoal, identificar o verdadeiro sujeito a quem se direcionou a agressão. Se adquirirmos a capacidade de perceber que em inúmeros casos o ataque parte de pessoas estressadas e oprimidas por seu mundo, ou de medos e inseguranças internas, descobrimos que o sujeito verdadeiramente agredido tenha sido talvez a própria pessoa que ofende, ou sua esposa, seu pai, sua irmã etc.

- Se fui agredido por alguém que brigou com seu patrão, talvez possa entender que sua atitude, apesar de violenta não era pessoal.
- Que diferença isto faz? Muita. Ao se identificar uma ofensa como não sendo pessoal, fica erradicada a possibilidade de se entrar na dimensão da rixa.
- Tanto a inveja como a rixa são parasitas da sensação de ódio pessoal que os outros nutrem para conosco.
- Para a tradição judaica, aquele que fala, é como um arqueiro. Joga suas flexas e, uma vez que estas já estejam no ar, não pode mais se arrepender. Quem percebe isto conhece a arte de falar pouco.
- Aquele que “toma algo como pessoal”anda pela floresta e onde quer que veja uma flecha cravada numa árvore, desenha ao seu redor um alvo.


INIMIGOS PÚBLICOS

- “Os rabinos ensinaram – há quatro tipos de pessoas que ninguém tolera: um pobre que é arrogante; um rico que bajula; um idoso luxurioso e um líder que governa sua comunidade sem causa”.(Talmude Bab., Pess. 113b.)
- Estar numa situação de “inimigo público”é ser flagrado em atitudes que revelam não as fraquezas humanas, mas a dificuldade de lidar com as mesmas. Expressam formas de ridículo a que pode um ser humano chegar, demonstrando acima de tudo, o quanto se deixou de aprender da vida e de sua condição.
- Os exemplos são óbvios. Um pobre que é arrogante é o símbolo da frustração em estado avançado. Um rico bajulador dos outros e de si, é alguém que é míope da vida; qualquer objeto que não seja imediato se forma aquém de sua retina. Por sua vez, o ancião luxurioso é o símbolo da decadência, do belo que não sabe se renovar sobre outras formas. Já o líder que não é líder expõe – se a sentimentos que vão do grotesco ao cômico. Comanda o ar e acena de uma alta varanda diante de uma praça vazia como se precisasse disto para certificar-se estar vivo.
- Todos os inimigos públicos possuem a mesma característica de buscar ocultar elementos de sua personalidade que são óbvios. Seu ridículo está na capacidade que têm de levar uma vida onde, por mais que se vistam e se adornem, estão sempre nus diante do público.


LÁGRIMAS TRÍPLICES

- Em todo ódio existe uma componente pessoal que intensifica fraquezas do outro; fraquezas estas que sob a perspectiva de um outro observador podem ser percebidas como razão de admiração e não de repulsa.
- Podemos odiar intensamente algo nos outros que não gostamos em nós mesmos, ou algo nos outros que nos relembre algumas de nossas frustrações, e assim por diante. Ninguém se dá ao luxo de odiar de forma a estar em rixa sem que esteja fortemente vinculado ao objeto de seu ódio.
- Impressionante é a capacidade que pessoas complementares, ou pessoas que se admiram e precisam muito uma da outra, têm de iniciar processo de briga. Entre

amigos que acreditam doar-se muito um ao outro, o senso de traição e ingratidão é intolerável.
- O ódio, instantes antes de “calcificar-se”. É matéria facilmente moldável em amor, desde que a correta química se processe.


BRIGANDO COM D’US

- Quem entra em conflito, acalenta em seu ser mais profundo a idéia de que vencerá. Ninguém brigaria (uma rixa) se acreditasse que fosse perder a briga. A certeza da vitória vem acompanhada de muita depressão e de constantes desilusões quanto a esta expectativa.
- “O mau impulso age de duas maneiras: como a água que esfria o desejo de se realizarem boas intenções e como o fogo que aquece o desejo de transgredir”. Ou seja, o desejo de buscar o reencontro e as resoluções das pendências é constantemente esfriado, enquanto que a compulsão à agressão é aquecida. Desta forma, o tempo passa, a depressão se instala e tornam-se possíveis finais trágicos.
- Os custos das brigas são incalculáveis, pois lesa o bem estar do planeta de maneira assustadora. Sua destruição é tão avassaladora, que mesmo quando seus efeitos não são tão concretos, transtorna e amarga vidas inteiras.
- Para vencer esta verdadeira maldição que é a rixa, Jacó se submeteu a uma das experiências mais intensas relatadas em toda a Bíblia – lutar com D’us. Não é com pouco conhecimento de causa que Jacó, ao reencontrar seu irmão exclama: “ver teu rosto é como ver o rosto de D’us”. (Gen. 33:10)
- Sermos capazes de lutar com nosso D’us, com nossa estrutura interna mais profunda e a perspectiva de nosso olhar para com o mundo, são as únicas coisas que podem dar fim a uma rixa estabelecida.
- O ato de brigar com D’us ou de mudar totalmente as perspectivas já assimiladas, se não ocorre através da sapiência e do crescimento pessoal, só vem com o tempo e sua incrível capacidade de nos desapegarmos dos indivíduos, ou melhor, dos fantasmas que acreditamos tão reais dentro de nós. Triste, porém, é quando nosso tempo interno não está sintonizado com o destino e nos vemos na situação desesperadora de Rabi Ionatan, pois seu amigo com quem estava brigado, morrera antes que pudesse brigar com D’us. Restou-lhe ainda a possibilidade desta briga interna, apesar de que para sempre estaria privado da incrível experiência de olhar no rosto de seu amigo e compreender que era como se olhasse o rosto de D’us.


EU TENHO RAZÃO

- Uma das ilusões mais fortes quando estamos aprisionados à dimensão da briga é a sensação de que “temos razão”. É como se criássemos uma consciência circular da situação em que nos encontramos, toda ela amarrada em si mesma. Por mais que tentemos, não conseguimos transpor os limites desta subconsciência.

- Se a posição do outro é insustentável e se ainda assim a mantém, concluímos então que o outro é em si ruim. O outro faz parte do mundo que vê as coisas às avessas. Pensamos: “por causa de sujeitos assim é que o mundo é como é!”.
- Tanto a confiança total em nosso julgamento quanto a busca obsessiva por provar que o outro está errado tem duas conseqüências malignas: a acusação e a autojustificação.
- O alerta é claro: nas questões de julgamento, estamos sempre submetidos a uma agenda interna, a interesses que nos justificam antes mesmo de qualquer imparcialidade. Acabamos sempre estabelecendo os critérios de nosso julgamento a partir de quem somos e de nossos interesses. Portanto, em briga, não somos muito confiáveis e devemos suspeitar sempre de nossas certezas. Elas muito freqüentemente ocultarão dificuldades que nos são muito dolorosas.
- Em outras palavras, você não pode se permitir identificar na sua proposição qualquer crítica ao outro que tenha medo de fazer a si mesmo nem nada no outro que busque justificar em si mesmo. Porque isto é “você ser você porque o outro é o outro”; é envolver-se nas couraças/argumentos do falso Ego.
- “Estar com a razão” é a tênue fronteira entre a devoção e a idolatria. Por um lado, é um sentimento a ser evitado, pois possibilita desvios e perversões, fortificando falsas percepções de si e dificultando toda sorte de diálogo. Por outro, é a postura do sábio e do justo, pois saber-se posicionar verdadeiramente em nome do que se acredita ser correto, sem se permitir corromper por interesses e necessidades pessoais está entre os feitos de mais difícil realização para os seres humanos.
- Poderíamos dizer, portanto, que existe uma forma construtiva de conflito, na qual o fato de se crer assertivamente “estar com a razão” não apenas promove o diálogo, mas define a própria tarefa do justo. A estas discórdias fundamentais é que, durante séculos, os rabinos do Talmude se dedicaram.


DISCÓRDIAS EM NOME DOS CÉUS

- Para poder se envolver em discórdias em nome dos céus, uma pessoa deve compartilhar de um mesmo nível de compromisso com seu adversário para com o assunto em questão. Estes compromissos dizem respeito a se “ter razão”: se a tônica deste sentimento recai sobre o desejo de se encontra a “razão”, delineia-se um tipo de comprometimento; se, no entanto, a tônica estiver no verbo “ter”, esboça-se outro tipo de comprometimento.
- Para que um justo faça uma afirmação, deve atingir o complexo estágio de “saber que não está certo, porém ter a certeza de que não está errado”. Esta é a única forma legítima de alguém se colocar diante de uma questão, com o objetivo de iniciar um possível diálogo. Não saber se está certo diz respeito a capacidade de ouvir e de querer saber a verdade; já a certeza de não estar errado é a confiança em seus propósitos mais profundos. Quem tem certeza de não estar errado, é na verdade, comprometido com valores que não estão emaranhados ou misturados aos interesses e necessidades pessoais. A própria verdade está subordinada aos propósitos de sua busca. Não existe verdade absoluta senão em relação a algo. Por esta razão, pessoas comprometidas com diferentes conjuntos de intenções, não conseguem estabelecer relações , e não há diálogo;
- A verdade de cada um estabelece discórdias que não se dão em nome dos céus.
- Atitude muito comum entre os seres humanos: imaginamos que vamos conseguir provar ao nosso adversário que este está totalmente errado. Temos tanta certeza do que defendemos, que fantasiamos o momento em que os céus, as forças do próprio cosmos, irão se mobilizar em nosso auxílio.
- Lidar com a expectativa de que se faça justiça em um conflito é algo extremamente complexo. A justiça sim, se fará expressa, afirmam os sábios, mas no seu próprio tempo de interação e maturação.



EVITANDO CONFLITOS

SABENDO ENXERGAR

- Quando estamos irados, temos dificuldade de ver e respirar.
- No que diz respeito a si próprio, o sábio deve perceber que o ódio é um meio mais denso que a realidade – todo sentimento por ele passado será desvirtuado.
- Se estamos envolvidos em uma interação de briga, devemos sempre delimitar papéis de maneira a definir quem é o tinók she-nishbar – o menor. Se o adversário está mergulhado numa rixa, sem capacidade de “enxergar”, aquele que vê torna-se instantaneamente responsável pelo destino da controvérsia.
- Por isso, diz o ditado: “quando um não quer dois não brigam”, onde “não brigam” diz respeito à rixa. Quando um não quer, dois podem sim, “sair no tapa”. Mas, se um perceber como adulto que o outro é como um “bebê que engatinha”, não haverá rixa.
- Se no calor das desavenças conseguirmos estabelecer esta ponte com uma realidade menos superficial, definindo a capacidade de cada um de enxergar, não nos deixaremos arrastar pelas artimanhas da ira. É importante também lembrar que identificar-se com um adulto em relação a um menor não quer dizer assumir ares de superioridade. Afinal, ser adulto não encerra maior mérito que ser criança, mas a contingência de estado diferente. Poder verdadeiramente sentir isto representa “enxergar”.
- Quando um falsamente diz que não quer, dois brigam e muito!



PERIGOS DE SE ENXERGAR – Digressão sobre a Natureza Humana


- Saber enxergar é tarefa realmente para sábios. Não basta ver aquilo que o clarão das reações e posturas humanas revela; deve-se também prestar atenção aos fantasmas destas luminosidade. Certas imagens que permanecem junto à retina daquele que não fechou seus olhos diante de um clarão, percebendo assim intenções e motivações profundas, não são reais e devem ser apagadas do retrato da realidade gravado em nossa memória.
- Poder ler a mente e o coração de uma pessoa é algo muito sério, pois para tal, devemos também ser capazes de analisar corretamente os dados fornecidos por esta leitura. O perigo para o sábio está obviamente nas armadilhas que compõem a própria sapiência. O tolo é o aprendiz de sábio que legitima uma percepção como sábia antes que esta tenha chegado a sua completa maturação como tal. O tolo percorre um certo caminho sincero e sensível e afirma ter chegado à sapiência quando esta encontra-se ainda mais adiante, exigindo maior perseverança e caminhada.
- Uma criança, por mais angelical que seja seu semblante, esconde um ser que, se tivesse acesso ao poder, tornar-se ia o maior dos tiranos e déspotas. Sua capacidade de elaborar o outro é tão pequena que tornar-se ia implacável com quem não a satisfizesse e insaciável diante do desejo de satisfazer-se.



ABRINDO ESPAÇO – Farguinen, o Antônimo da Inveja

- A língua iídiche possui um verbo que é no mínimo raro, senão único: farguinen. Seu significado poderia ser traduzido como “abrir espaço”, “compartilhar prazer”, ou simplesmente como o oposto de invejar. Portanto, se invejar significa ter desgosto e pesar pela felicidade do outro, farguinen tem o sentido de compactuar com o prazer e alegria do outro. Representa o espaço que permitimos ao outro para que exteriorize sua alegria, sua sensação de sucesso ou felicidade.
- Nestas situações, nos é muito difícil esconder os olhares furtivos que escapam à interação com os olhos do outro para se refugiarem dentro, em pensamentos silenciosos que nos atormentam. É como se estivéssemos diante de uma cena de filme, onde podemos ouvir nosso ser exterior repetindo, em câmara lenta: “que coisa boa... que bom...”, enquanto que por dentro, ecoam perguntas do tipo: “por que logo com este camarada?... O que eu não faria com esta quantia?...” e coisas do gênero. Em geral, nestas situações, fica tão evidente nossa dificuldade de lidar com a alegria do outro que, quase sempre, este a percebe. Muitas amizades e confianças terminam nestes rápidos instantes.
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2 comentários:

Marta Saba Mackeldey disse...

Não conhecia estes textos do Rabino Nilton Bonder, mas gostei muito. Ainda que a inveja exista, e tantos textos a vinculem e justifiquem, como "pisando no pé", que nos faz pensar em como é difícil nos aproximar e entender o nosso semelhante, "rubor" e "fofoca", que podem gerar tantas decepções e destruir sonhos em poucas palavras, não acredito no ódio. Ódio somente existe a quem permite. Agora, sin'hat chinam, requer muito controle pessoal...porque é a amargura. E quando sin'hat chinam invade nossos corações é preciso agir rapidamente, ainda que com "remédio amargo". Shalom!

Alexandra M Costa disse...

Alechem shalom