* Publicado em 30.03.09, no Jornal "Diário da Manhã"
Pensei que seria um dia bem auspicioso para um encontro, digamos, intelectual. Mas, no início, esta data me intrigou,quando foi proposta, até porque passava eu por um período de grande descrença social.
Eu estava mesmo bem apática ao mesmo tempo que preocupada. Sentia-me acuada, sem possibilidade qualquer em vista, desempregada havia quatro meses.
Viver de poesia já não me garantia vitalidade suficiente para ter motivação, mas era o que me segurava. Explico-me: é que havia sido agraciada, naquela época, com a publicação do livro Quimera, de poesias, na Coleção Prosa e Verso, e esse livro me transmite valorosa significação.
Vez ou outra, vendia um livro, surpreendendo alguém e me surpreendendo com a receptividade positiva das pessoas, sensíveis ao tema do sonho, ao estilo poético; as pessoas valorizam a escrita, e poesia tem muito a ver, no coletivo imaginário, com o amor carnal. Poucas pessoas a relacionam com a contemplação, com algo mais universal e abstrato, mas, no geral, senti muitas manifestações de respeito e consideração ao meu poetismo.
Isso me mantinha, mas não me iludia o suficiente para me abster de meus problemas concretos. Sentia-me mesmo muito arrasada pelo desemprego, pelos compromissos e laços desfeitos.
Mas não descri da vida nem de Deus. Vivia mais contida, e a busca interior nos eleva a Deus e se confunde com sinais depressivos, mas me mantinha com uma rotina interessante de cuidados maternos e domésticos, internet, caminhadas diárias, afeto familiar e de pouquíssimos amigos.
Certa misantropia tomara conta de mim, mas intensos sentimentos me mantinham ligada em uma força que me fazia querer superar as limitações às quais eu estava submetida com o desemprego, por não concordar com aquilo para a minha vida, diante da disposição e da dedicação que sempre tive para com o trabalho.
Eis que tive vontade, do limo interior, de oferecer um livro meu ao sr. Batista Custódio.
Eu já havia publicado alguns artigos no DM e, há uma década, envio comentários de leitora. Estive, algumas vezes, na redação. Pensei que ele poderia me receber, afinal eu era uma escritora...
Resolvi procurar diretamente a diretoria-geral e me surpreendeu a delicadeza de Sabrina e a data sugerida: 1º de abril, há um ano. Fiquei intrigada e um pouco ansiosa. Menos que o normal, pois, naqueles dias, evitava, ao máximo, qualquer euforia para evitar a baixa, o descontentamento. Controlava a empolgação, evitava o entusiasmo.
Mas, naquele dia marcado, resolvi ligar para confirmar e confirmei. Não pude conter a insegurança pela roupa a vestir, pelas palavras que usaria. Conhecia Batista Custódio, embora nunca tivesse estado com ele. Sabia de sua simplicidade e excentricidade. De muitos de seus dilemas, suas lutas, algumas paixões e superações, de sua história, sempre tão exposta e sentida.
Não tive dúvidas de que a camisa amarelo-canário e calça jeans com algum salto estariam legal, embora eu estivesse taciturna e quisesse discrição, pois estava muito intimista, aquele amarelo arregalado me lembrou alguma luz, a sabedoria.
Fui para entrar em sua sala, no DM, depois de a Sabrina ter me recebido e pedido gentilmente um livro para que ele desse uma olhadinha, e eu lhe dizer que gostaria de autografar, imaginando já que não seria recebida e satisfeita de apenas encaminhar o livro... Ela me pediu que aguardasse um pouquinho.
Desajeitada, carregando pasta cheia e bolsa, desacostumada do salto e das relações, quando, de súbito, sua sala se abriu, impressionou-me nunca tê-la visto ali... E aquele ambiente me desnorteou um pouco, e o telefone dele tocou, e achei por bem aguardá-lo atender antes de entrar e, quando entrei, ele me recomendou sentar-me e me fez já uma observação positiva e pautada sobre o Quimera, que ele folheava à minha frente.
Qual não foi minha alegria quando percebi o amarelo-canário de sua camisa, que era igual a minha. Olhei ao redor, rapidamente, e estar entre o sr. Batista Custódio e o oratório que fica em sua sala me fez compreender a energia que me maravilhava, entre suas palavras e compromissos inadiáveis e decisões tomadas à minha frente e as pessoas trabalhadoras dali, que entravam e saíam sempre sem importunar ou quebrar o ritmo de nossa conversa, que agradável e extensa, marcou para sempre a minha vida, de modo concreto, mudando meu rumo e me reimprimindo uma dignidade e uma vontade de viver pela minha capacidade de ser feliz e de despertar em alguém tão mais que bacana alguma caridade que me desse atenção, que me ouvisse e perdesse tempo e palavras comigo.
Mas foi uma energia muito imensa mesmo, pleonástica. E intensa, embora tranquila, fluida. Mostrei a ele um livro meu de primário em que eu escrevi que lia e gostava do 5 de Março e seu Café de Esquina e também meus artigos, projetos, falei de mim. Revivi.
Jamais esqueço as palavras, os conselhos e casos que o sr. Batista me revelou e o seu convite para que eu escrevesse semanalmente no DM. Imensurável é a grandeza de Batista Custódio, pois sua obra revela extraordinários alcances e se fez através de sua persistência, coragem, lisura e objetividade, e sua trajetória me encanta também pelo que não é, embora pudesse ter sido, por ter nascido em berço esplêndido e com tanta inteligência, itens capazes de tornar alguém conservador, acomodado, louco ou desiludido ou narcisista, sei lá.
Batista Custódio impressiona, encanta e transmite a segurança de pessoa endurecida, mas que não perdeu a ternura nem o calor das vidas e dos corações inquietos em busca de um sossego que não vem do perecível, do passageiro, mas se concretiza nos encontros da vida, com semelhantes, com a natureza, com o inusitado dos sentidos e dos sentimentos bons.
E por ter anunciado meus serviços sociais nos classificados do DM gratuitamente, vi o anúncio do Sine, que me encaminhou para o emprego no qual estou desde agosto passado.
Parabéns, sr. Batista, e muito obrigada mesmo por tudo, pela sua história e pelo DM!
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