sexta-feira, 25 de abril de 2008

POLÍTICA DE SAÚDE: INVESTIR PARA NÃO GASTAR

* Publicado no Jornal "Diário da Manhã" em 24.04.08

Estando diretamente relacionada com as condições de vida e os hábitos da população, a política de saúde no Brasil vem sofrendo importantes transformações, desde o final da década de 70, quando passou a ser compreendida enquanto fenômeno multifatorial, de interesse, não só dos técnicos de saúde, e ainda, com uma dimensão política, o que, naquela época, mobilizou os profissionais de saúde em torno dos outros interesses coletivos nacionais.

No início da década de 70, a perda do poder aquisitivo do salário mínimo, a migração intensa e a urbanização desordenada, foram fatores que intensificaram os efeitos perversos da economia capitalista centralizadora e agravaram as condições de vida e saúde da população.

Em meio às lutas pela transição e consolidação da democracia no Brasil, a Reforma Sanitária que deu início ao atual Sistema Único de Saúde - SUS pregava uma mudança de valores que rompessem com o individualismo, o corporativismo e a falta de compromissos no setor público. O movimento que emergia era contrário à mercantilização da atenção médica e ao modelo econômico vigente, sempre visando à lucratividade em detrimento da ética e das reais necessidades da população.

A partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, “a saúde foi considerada resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde”. Hoje, o direito universal à saúde integral, o dever do Estado na garantia desse bem essencial e a participação popular nos processos de decisão, implantação e controle desta política, são concepções garantidas na Constituição brasileira.

As doenças crônicas e a prevenção são os principais gargalos da saúde em Goiânia, atualmente, além, é claro, do excedente de usuários advindos do interior e até de outros estados.

Tomar consciência e modificar hábitos nocivos são premissas urgentes, já que a saúde exige a busca diária do bem estar físico, emocional e social. Acidentes automobilísticos e outros, violência, uso abusivo de drogas e até mordidas de cachorro são problemas que normalmente ocasionam o fluxo intenso nas unidades de atendimento de emergência. Nos ambulatórios, é grande a incidência de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez precoce, além dos distúrbios psico-neurológicos. A recorrência de doenças é comum, quase sempre devido o fato de que os tratamentos são interrompidos ou não são feitos conforme a orientação médica prescrita.

É preciso investir mais em ações de saúde coletiva e na atenção primária, aliando os conselhos locais de saúde, que devem ser mais preparados e parceiros nas ações preventivas, como as vacinações, e nos programas de atendimento e controle de doenças que voltam a preocupar, citando a meningite, o sarampo, a catapora, a tuberculose, a hanseníase, a hantavirose, a dengue e a febre amarela, por exemplo, paralelamente ao desenvolvimento de programas como o de saúde da mulher, de acompanhamento do desenvolvimento e crescimento de crianças, de controle e prevenção da hipertensão, da obesidade, da diabete, da asma, do tabagismo.

A melhora na saúde da população está intimamente condicionada às condições de vida, e o acesso aos demais direitos sociais básicos (educação, trabalho, esportes, cultura, lazer, habitação, transporte, segurança, alimentação) é condição sem a qual, qualquer ação de caráter curativo tem alto custo e eficácia reduzida.

Buscar a integração dos serviços e equipamentos sociais em nível local e construir uma política econômica que melhore as condições de trabalho, diminuindo o desgaste e a espoliação da saúde de trabalhadores e trabalhadoras, são desafios deste século, em que precisamos repensar nossa mentalidade com relação à questão Saúde, saindo do campo microscópico de intervenção, para percebê-la em seu contexto, compreendendo o usuário do SUS, não de forma fragmentada, mas inserido na dinâmica das relações sociais, com a sua historicidade, percebendo sua doença enquanto fenômeno produzido a partir de relações vividas na família, no trabalho, na sociedade.

Ampliar o investimento público na Saúde e garantir melhor atendimento nas unidades do SUS é tão importante e necessário quanto a população imprimir novos conceitos, valores e atitudes voltadas para a educação e a prevenção de riscos e danos à Saúde.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

DUAS CLASSES DUAS ESCOLAS

“Em toda sociedade civilizada existem necessariamente duas classes de pessoas: a que tira sua subsistência da força de seus braços e a que vive da renda de suas propriedades, ou do produto de funções onde o trabalho de espírito prepondera sobre o trabalho manual. A primeira é a classe operária; a segunda é aquela que eu chamaria de classe erudita.

Os homens da classe operária têm desde cedo necessidade de trabalho dos seus filhos. Estas crianças precisam adquirir desde cedo conhecimento e, sobretudo o hábito e a tradição do trabalho penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder tempo nas escolas.

(...) Os filhos da classe erudita, ao contrário, podem dedicar-se a estudar durante muito tempo; têm muita coisa a aprender para alcançar o que se espera deles no futuro. Esses são fatos que não dependem da vontade humana; decorrem necessariamente da própria natureza dos homens e da sociedade; ninguém está em condições de mudá-los. Portanto, trata-se de dados invariáveis dos quais devemos partir.

Concluamos então, que em todo estado bem administrado e no qual se dá a devida atenção a educação dos cidadãos, deve haver dois sistemas completos de instrução que não têm nada em comum entre si ”.

Destutt de Tracy (1802)

Prost, Antoine. L’enseigmant en France de 1800 à 1967”. Paris: Armand Colin, 1968, in Cuidado, Escola! Desigualdade, domesticação e algumas saídas. Claudius Ceccon; Miguel Darcy de Oliveira; Rosiska Darcy de Oliveira. Apresentação Paulo Freire – Ed. Brasiliense. São Paulo, 1986

Da população economicamente Ativa (PEA) do Brasil:

18,4% começaram a trabalhar antes dos 09 anos de idade;

64,1% começaram a trabalhar antes dos 14 anos de idade;

84,2% começaram a trabalhar antes dos 17 anos de idade;

Menos de 20% da população tem menos de 11 anos de escolaridade

Mais de 1 milhão ( 1.006.422 ) de crianças de 05 a 09 anos trabalham;

Quase 3 milhões ( 2.817..889 ) de crianças de 10 a 14 anos trabalham.

Dados: Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílos ( PNAD ) – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)

Elaboração: Anuário dos Trabalhadores

DIEESE –www.dieese.org.br

Divulgação: IIEP – Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas.

www.iiep.org.br

iiep@uol.org.br/ (11) 3337 6775

ASSISTÊNCIA SOCIAL

* Publicado na "Opinião do Leitor" do Jornal Diário da Manhã, em 31.07.2004

Urge à Assistência Social a afirmação que norteiam esta profissão e a superação da visão utilitarista e pragmática do trabalho social, em busca de uma atuação mais humanística, centrada na formação e emancipação do ser humano, abandonando “o espírito que considera a pobreza algo material”, já que o paradigma é de transformação social. Estamos no exercício de reprodução social.

Os postulados neotomistas, presentes nos princípios do serviço Social, nos falam da dignidade humana, na sociabilidade essencial da pessoa humana e na perfectibilidade humana. São Tomás, muito bem discorreu sobre a sociedade, bem comum e ética. Segundo este filósofo, por ser filho (a) de Deus, “a pessoa humana tem uma perfeição natural que se manifesta através da razão. A inteligência, conhecendo os caminhos, tenderá a busca da virtude, do bem”. Estes são princípios do serviço Social e esta é a idéia que deve permear nosso trabalho, e não a que diz que devemos priorizar pobres, negros, mulheres, crianças etc., por serem minoria, pois qualquer pessoa é valor absoluto como ser humano e esta é a causa.

O Planejamento deve localizar demandas e intervenções pautado em dados e não em chavões do mundo político, que diz que é preciso acabar com a pobreza, sem no entanto identificar e atuar em questões estruturais da sociedade.

Não se pode dizer que a Assistência Social avançou, observando-se o dote orçamentário e estatísticas do número crescente de atendimentos; é preciso avaliarmos a qualidade dos serviços e a efetividade e eficiência dos planos.

Qual o reflexo dos planos de Assistência Social na participação política, no exercício efetivo da profissão e da cidadania na “cara” dos serviços e das cidades? Vemos os desafios do atual formato das políticas sociais, constantemente, na sociedade, através dos meios de comunicação e das pesquisas divulgadas, ao constatarmos o número cada vez mais crescente de gravidez na adolescência, de usuários de drogas lícitas e da violência, paralelo à apatia social e à falta de consciência coletiva. O trabalho da Assistência Social se refere a toda a sociedade, não é para alguns.

TRABALHO E SOCIEDADE

* Publicado no Jornal "O Popular", em 08.10.2003

As mudanças que se fazem necessárias no atual contexto socioeconômico em que vivemos só se farão no momento em que percebemos realmente que a construção de uma nova sociedade é o que justifica o atual governo do Brasil.

É preciso novamente refletirmos sobre a conjuntura, identificando o que tem de mudar, pois apesar de querermos diferenças, pensamos com os mesmos referenciais de sociedade que alicerçaram a sociedade capitalista.

Senão vejamos: a obsessão por acabarmos com o desemprego tem nos levado a buscar, ensandecidamente, encaminhar pessoas para o mercado de trabalho. Esta era a lógica dos governos conservadores de antes. E, mais anteriormente, vale lembrar, a ideologia dominante apregoou que o trabalho dignifica o homem. Isto é verdade; sem dúvida o trabalho é a força motriz de nossa civilização. E não apenas o trabalho físico, mas não é apenas o trabalho que dignifica o homem...

O fato é que a mesma ideologia que disseminou a idéia de que “o trabalho dignifica o homem” não contribuiu para que, efetivamente, cotidianamente, o homem trabalhador exercesse, exercitasse a sua dignidade. Como sabemos, o mercado de trabalho nos mostra a dicotimização entre o pensar e o fazer do trabalho. Mostra também a criação da mais-valia e a alienação do trabalhador no que se refere aos instrumentos, às condições e ao desfrute do resultado do seu trabalho.

Ora, ou a gente começa a inverter a lógica do mercado atual e pára de alimentar o sistema, ou cada vez mais teremos de acudir as perversões que ele provoca.

A obsessão por conseguir ampliar a oferta de emprego em nosso País, nos tira do horizonte o viés que orientou o PT em sua gênese, que é a reformulação das relações sociais e de produção, com vistas a uma sociedade justa, fraterna e democrática.

Temos, neste caminhar, esbarrado em vários obstáculos econômicos, políticos, administrativos, culturais. Mas sem dúvidas, o poder das idéias antigas é o maior obstáculo que temos tido. Queremos um mundo novo, mas acreditamos nas mesmas regras de antes. Há muito percebemos que o mercado é excludente, explorador e dezumanizante. E, no entanto, abrimos cursos profissionalizantes para jovens, e os “ajudamos” a dividir seu tempo entre o trabalho e a escola. No entanto, sabemos que a queda no rendimento e a evasão escolar se dão, em muito, devido à dupla jornada, aliada a outros fatores econômicos e sociais que não se resolvem com a entrada do jovem adolescente no mercado, para ampliar a oferta de mão-de-obra barata e a competição entre as pessoas.

Às vezes, ouvimos alguém dizer que, antigamente, menino era na roça, na lida; que menino não tinha tempo para vadiagem. Sem refletir que estes eram os filhos dos trabalhadores. Os dos empregadores iam para as capitais, se formarem. E a história se repete, garantindo a reprodução da classe trabalhadora.

E sobre as escolas de tempo integral? Sabemos do estresse na infância e na juventude e muito falamos que as famílias não têm tido “controle” sobre os filhos. E as mães, estão no mercado de trabalho, junto aos pais e, ainda assim, sem um salário justo, sem salário honesto. Aqui, uma indagação: temos tido filhos para formar família, ou para serem educados pelo Estado e pela sociedade, a fim de servirem ao mercado?

Precisamos falar sobre a importância do lar, do planejamento familiar, dos almoços diários e de domingo, em família.

A juventude precisa de perspectivas melhores do que se profissionalizar, ser marceneiro, jardineiro, confeiteiro, mecânico.

Precisamos despertar e perceber que a busca de conhecimento é inerente ao ser humano e que não devemos ser tão pragmáticos ao ponto de querermos da vida apenas conseguir um bom emprego. Mas querer uma vida que tenha o sentido de progresso, em um sistema que fomente a igualdade de oportunidade e a universalização de direitos para todos os cidadãos.

Querer um trabalho que produza condições dignas de existência e garanta uma aposentadoria decente, será sempre utopia e letra de música, ou o momento é agora?

MOVIMENTOS POPULARES

* Publicado no Jornal "O Popular", em 22.07.2000

Os movimentos populares, que originariamente se fundamentaram na contestação, na revolta, no heroísmo e nas reivindicações, hoje precisam se caracterizar pela realização, pela conquista e afirmação de sua própria identidade e papel social e pelo embasamento metodológico.

Através dos movimentos populares, torna-se possível a construção do sujeito coletivo, que participa de um conjunto de noções, valores e crenças subjetivas comuns a outros sujeitos. Daí a importância de que os movimentos lutem em caráter menos ativista, buscando a participação da sociedade, com democracia, saindo do vanguardismo e do corporativismo.

Os movimentos populares precisam ter força de opinião popular e só conseguirão fazer isto quando se fizerem compreender no âmbito da sociedade, enquanto germes da transformação social sonhada por libertários, humanistas e democratas.

Questionar mais do que contestar, construir mais que reivindicar. Este o novo perfil que os movimentos precisam adquirir, promovendo discussões capazes de alterar o nível de participação das pessoas que realmente querem mudanças na sociedade, e formando assim, novos blocos históricos na luta pelo bem comum.

Vale lembrar que quando o Brasil foi colonizado, a primeira coisa que foi montada aqui foi uma estrutura equivalente ao Estado, para controlar o fluxo de pessoas, de riquezas, de comércio. Então, no Brasil, o Estado veio antes da sociedade propriamente dita: isto era mais forte e se sobrepunha à sociedade, não de maneira passiva, pois os índios tentavam resistir à dominação européia defendendo suas terras e sua gente, dando início às lutas sociais.

Na Europa, a sociedade se forjou ao longo de séculos e séculos e foi gestando o Estado.

Os movimentos pela Independência do Brasil, pela abolição da escravatura e pela República foram movimentos de vanguardistas. Ao povo soeram destinadas as lutas. Não discutiam ou conduziam o processo. Mas foram estes movimentos que lutaram contra os conservadores da situação de miséria em que vivia a maior parte dos brasileiros. Contavam com o apoio de alguns políticos e da classe média urbana, principalmente intelectuais, literatas, profissionais liberais e estudantes universitários. Promoviam conferências, quermesses, festas beneficentes e comícios em praças públicas. Fundavam jornais, clubes e associações que difundiam suas idéias.

Como resultado destas lutas, tivemos uma pátria independente de Portugal, porém garantindo a mesma estrutura do Brasil colonial: concentração de renda nas mãos dos latifundiários, a monocultura, que mantinha a dependência externa e a escravidão. A abolição dos escravos foi feita de maneira lenta e gradual, com indenização para os senhores e nada para os escravos, que foram jogados ao desemprego e à marginalidade. A vitória dos republicanos nos trouxe um governo que promovia sucessivas e fartas nomeações, indenizações, concessões, garantias, subvenções, favores, privilégios e proteções. À partir do início do século passado, os conflitos sociais, econômicos e políticos geraram inúmeras greves e movimentos, apesar da truculência e das repressões que o Estado brasileiro empreendia contra esses movimentos.

Refletindo os movimentos populares, percebo a importância de que os movimentos sociais se entrelacem com o movimento cultural do País (vide século das luzes).

Bons tempos aqueles, em que rebeldia e juventude tinham tudo a ver com a busca da liberdade. O movimento hippie e o dos beatniks são exemplos de movimentos culturais bem diferentes do que vemos hoje. No Brasil, o tropicália foi um movimento cultural de cunho político e cultural bem diferente do que vemos hoje. No Brasil, o tropicália foi um movimento cultural de cunho político e social. Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano e Rita Lee entre outros, elaboraram músicas que tinham a ver com a realidade.

A contracultura que estes movimentos pregaram era fundamentalmente, um protesto contra os costumes e as tradiçõesda sociedade estabelecida. Os hippies acreditavam no amor e na paz universais. Achavam que as pessoas deviam sempre dizer o que pensavam e sentiam e que deviam agir naturalmente. Opuseram-se à situação dos EUA na guerra do Vietnã e não pensavam que determinadas pessoas devessem ser ricas e outras pobres. Estavam sempre ao lado das minorias injustiçadas. Os Beatles contribuíram com suas canções para difundir o movimento Hippie. Entre outros hippies, encontravam-se o psicólogo Timothy Leary, os cantores Joan Baez e Bob Dylan, o poeta Allen Ginsberg e o romancista Ken Kesey. Com o tempo, a maioria dos hippies percebeu que não podiam reformar a sociedade ficando à sua margem. Muitos assumiram posições radicais e vincularam-se a causas sociais.

Os Beats também eram jovens contestadores movidos a literatura. Apareceram logo após a Segunda Guerra Mundial, num mundo marcado por traumas culturais, econômicos e políticos. Os EUA, seu berço mergulhavam em um fanatismo anticomunista. No meio de um caldeirão de conflitos, um bando de malucos em sintonia com o resto da juventude yankee, solta um grito de desespero que ecoou por toda a América e o mundo. Um desespero pela liberdade. Poetas libertários, ultrapassando preconceitos, inovando, procurando nos guetos negros e nas noitadas intermináveis de jazz em qualquer buraco do seu país o sentido da vida que o leviatã tecno-capitalista não oferecia. Viagens intermináveis de carona, de trem (3ª classe) ou mesmo à pé, sem um tostão no bolso. México, África, São Francisco, N.Y., Denver etc.. Jovens cultos, visionários, escritores brilhantes. Entre eles, Hal Chase, Jack Kerouac, Burroughs, Neal Cassady.

A experiência diária de pensar e sentir fazia parte do cotidiano destes movimentos, apesar dos seus equívocos e limitações.

Hoje não sabemos ao certo o que pensam os punks, os grafiteiros, os metaleiros, os pagodeiros. Os jovens estão como naus à deriva, em movimentos que nem sabem da existência de pessoas que lutam por uma sociedade mais justa e fraterna. A falta de valores que grassa a nossa sociedade tem gerado uma falsa liberdade para alguns, tem gerado descrença, depressão, violência, toxicomanias, auto-exilamento e autodestruição.

E então fica o desafio: como associarmos movimentos sociais e movimento cultural hoje? Apesar de já estarmos analisando nossas correntes hereditárias, com a culpa que está aí, sem ser pensada, dificilmente vamos nos livrar de nossa situação, tão precária...

terça-feira, 22 de abril de 2008

REVOLUCIONÁRIOS

“Estes revolucionários de uma outra época

envelheceram,

mas não parecem cansados.

Não sabem o que quer dizer a frivolidade.

Sua moral é muda, mas não dá margem à ambigüidade.

Ela já não entende mais o mundo. (...)

Quem os conhece fica espantado ao ver

como são pouco indecisos e como carregam tão pouca

amargura, muito menos do que seus visitantes mais jovens.

Eles não são melancólicos.

Sua cortesia é proletária e a dignidade,

de pessoas que jamais capitularam.

Não foram “promovidos” por ninguém.

Não tomaram nada para si,

nem consumiram bolsas de estudo.

O bem-estar não lhes interessa.

Têm a consciência intacta.

Não são tipos acabados:

sua disposição física é extraordinária. (...)

Não lamentam nada.

Suas derrotas não lhe serviram para ensinar-lhes algo ruim.

Sabem que cometeram erros, mas não voltam atrás.

Os velhos homens da revolução são mais fortes

do que tudo que veio depois deles.”

Henzensberger, Hans Magnus.

“O Curto Verão da Anarquia”

Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo

PESSOAS SÃO PRESENTES


Vamos falar de gente, de pessoas. Existe, acaso, algo mais espetacular que gente?

Pessoas são um PRESENTE. Algumas vêm em embrulho bonito, como presentes na Natal, Páscoa ou festa de aniversário. Outras vêm em embalagem comum. E há as que ficam massacradas no correio...

De vez em quando chega uma REGISTRADA. São presentes valiosos.

Algumas trazem invólucros fáceis. De outras é dificílimo, quase impossível tirar a embalagem. É fita durex que não acaba mais...

Mas... a embalagem não é presente. E tantas pessoas se enganam confundindo a embalagem com o presente!

Por que será que alguns presentes são tão complicados para a gente abrir? Talvez porque dentro da bonita embalagem haja muito pouco valor e bastante vazio, bastante solidão. A decepção seria grande.

Também você, também eu, somos um presente para outros. Você para mim, eu para você.

E quando existe verdadeiro encontro com alguém, no diálogo, na abertura, na fraternidade, deixamos de ser mera embalagem e passamos à categoria de reais presentes.

Nos verdadeiros encontros de fraternidade, acontece alguma coisa muito comovente e essencial: mutuamente nos vamos desembrulhando, desempacotando, no bom sentido, é claro, que há dentro de nós.

Você já experimentou essa imensa alegria da vida? Alegria profunda que nasce no recôndito da alma, quando duas pessoas se encontram, se comunicam virando presentes uma para a outra?

Conteúdo interno é segredo para quem deseja tornar-se PRESENTE aos irmãos de estrada e não apenas EMBALAGEM...

A verdadeira alegria, que a gente sente e não consegue descrever, só nasce do VERDADEIRO ENCONTRO COM ALGUÉM!

(ROQUE SCHNEIDER)

DESEMPREGO, TRABALHO E ATUALIDADE

* Publicado no Jornal “O Popular” em 19.05.2000

Há muito estamos falando, ouvindo e vendo notícias sobre o desemprego. Governos, parlamentares, políticos, economistas, cidadãos comuns, todos temos procurados meios de combate ao desemprego.

Por outro lado, bem menos temos tido a oportunidade de questionarmos, levando para o debate, o tema Trabalho.

Pior: as análises sobre o desemprego, não associam um conjunto de discussões que se incorporam ao tema, como o impacto das novas tecnologias sobre o trabalho, entendendo aí não só sob o ponto de vista da automatização e dos novos equipamentos, mas também das novas formas de organização do processo de trabalho, que requer modificações nas condições de trabalho, nas questões de emprego e salário e nas condições de qualificação do trabalhador.

Então, ao questionar o fato desemprego, penso que é importante dar novos rumos ao teor das discussões. Às vezes, me parece que o desemprego não é simplesmente um mal terrível, mas uma conseqüência natural e irreversível.

Senão vejamos: já era sabido à época de Marx, que o próprio capitalismo destruiria o capitalismo, ao impor um padrão de uso da mão de obra assentada em baixos salários, em ritmos intensos de trabalho, e me altas taxas de rotatividade.

A organização capitalista é voltada para o aumento da lucratividade e não para o desenvolvimento humano, o que diferencia sobremaneira o capitalismo do socialismo, onde o trabalho aparece como necessidade intrínseca ao ser humano enquanto busca de satisfação moral, intelectual, material.

Ora, se os sentimentos de injustiça e indignação pelas condições e resultados do trabalho são presentes no trabalhador que está empregado, imaginemos então o que sente o trabalhador desempregado... a perda da identidade e do significado do trabalho, torna-se, para o desempregado, uma perda do seu significado e da sua identidade no mundo. O buraco se amplia. Mas não vamos falar aqui de caos, dificuldades, humilhações. Nem quero voltar às discussões fechadas e pouco fundamentadas sobre Marx ou sobre os Sistemas de Produção. Tampouco pretendo copiar modelos ultrapassados, mas refazer leituras, análises, conclusões.

Se o socialismo teve seus entraves, é certo que a utopia continua. Utopia, enquanto algo não realizado, e não algo irrealizável, como disse Paulo Freire.

Na famosa, porém pouco conhecida cidade Utopia, do filósofo socialista Thomas Morus, o trabalho físico tem, não menor importância, mas menor desgaste. As pessoas dedicam-se mais plenamente as suas vidas à elevação moral, intelectual, espiritual. Buscam prazeres menos efêmeros do que os que nos trouxe a sociedade capitalista. Lá, os cidadãos têm igual acesso aos serviços públicos de educação e saúde. Não têm problemas de moradia e os índices de violência são baixíssimos, mais devido à qualidade de vida, do que ao sistema carcerário que é extremamente duro e eficaz.

O que quero é avançar a discussão, questionando as implicações do trabalho e a falta dele. Reconhecendo o impacto das novas tecnologias nos costumes, tradições, valores e expectativas dos trabalhadores, que vão construindo novas representações no dia a dia da vida social e familiar.

Existem estudos que mostram que neste século a indústria que mais vai crescer é a do turismo, do lazer e do entretenimento. E perguntamos para quem, se a maioria dos brasileiros não pode viajar, freqüentar festas, cinemas, teatros, conhecer a diversidade no mundo das artes plásticas, da música, da literatura.

Entendemos, enfim, que pior que o desemprego é a baixa remuneração salarial, que remete famílias inteiras ao mercado de trabalho, desvalorizando a mão de obra, pois quando alguém não quer ou não satisfaz, aparecem dezenas querendo determinado emprego.

Pior que o desemprego é o valor dos salários que não permite aos pais pagarem para obter boa educação, saúde, moradia e lazer aos filhos.

Pior que o desemprego, é o trabalhador, ativo ou não, às vezes pequeno comerciante que paga impostos e gera empregos, ao precisar de serviços públicos de saúde e educação, que são básicos, se deseperar com o descaso e a desqualificação dos profissionais.

Pior ainda, é o tempo passar e ficarmos debatendo os chavões que aparecem na ordem do dia, de modo superficial e unilateral.



segunda-feira, 21 de abril de 2008

TEMA LIVRE?

* Publicado no Jornal "Diário da Manhã" em 07.04.08

Sempre gostei de escrever. Tanto quanto de ler. Este é um exemplo de meus pais e de minha irmã que absorvi prontamente. Papai está sempre fazendo um trocadilho, escrevendo um bilhete, falando uma frase em latim; tem conhecimento sobre quase tudo e de todos os tempos. Mamãe, idem, e se não tem outra coisa, fica lendo bula de remédio, lista telefônica, ou os olhos da gente, ávida, sempre com ares de que é tudo novo!

Meus filhos também lêem muito e gostam de escrever. Não temos obrigação com a televisão, embora gostemos bastante. Minhas crianças se acostumaram mesmo é com pilhas de jornal acumulados, que nunca dispenso antes de ler, ainda que com data vencida... Ler jornais é um hábito. Desde menininha.

Tenho minhas preferências. Não gosto de poluir minha mente nem minha alma com horrores nem com piadas grosseiras, debochadas, embora às vezes leia alguma coisa assim e saiba um bocado dos horrores e deboches que acontecem nesta vida.

Sei apreciar o que é bom, em tudo. Busco o que há de bom e de belo em tudo. E sei que neste mundo nada é perfeito, não me iludo neste sentido. Então não tenho aqui grandes pretensões, apenas a de conseguir um feito: escrever com um tema livre!

Como fazer isto, pensei por algum tempo. Sempre estou tão apegada ao que vivo e vivo tão condicionada sempre, meu Deus – e agora? Penso me lembrando da insustentável leveza do ser. Escrevo o que penso e penso ser livre, pois sempre ajo ciente de opções e de conseqüências. Diferencio liberdade de independência e a associo à responsabilidade.

Mas o fato é que escrevo sempre pautada no que leio de outras pessoas. Escrever um tema livre, é assim, me foi dito, escrever com o coração. Minha Nossa Senhora. Escrever com o coração, sempre escrevi. Mas com o coração do mundo inteiro. Com o meu mesmo, nunca pude. Tenho que pensar sobre o que tenho no coração. Sei que tem muito a ver com liberdade.

Não tenho angústia. Não. Angústia tem a ver com insatisfação. Sou muito satisfeita, agradecida. Uma psicóloga disse-me que tenho o limiar de tolerância bastante extenso, amplo. Isto é um problema, pois ser satisfeita não me significa não desejar nada. Explico melhor: tenho consciência de limites (a partir dos meus) e sei que não vou resolver os problemas do mundo; fico abobada e deslumbrada com os constantes arranjos divinos, então sou sempre grata e cheia de satisfação pelo bem que vivo que sinto que ouço que vejo. Mas sei que o mundo não pode ficar como está. Ele pode e deve ser melhor. Tem que ter justiça social, que ser economicamente sustentável, onde a vida seja plena, com todas as suas lutas. E optei por lutar por isto, isto me dá prazer, é condição de existência, sentido de vida: viver melhor!

Pareço ansiosa, mas cultivo a paciência e controlo a euforia. Minha esperança é imensa, embora me sinta cansada, bastante mesmo, às vezes. Mais por questões físicas. A angústia, penso que é uma sensação que limita, uma condição de desesperança, de fraqueza, de amargura constante, de falta de surpresas. Tenho alegrias.

Ah, meu coração... Se escrever o que há nele, vou refletir sobre Lucélia, sobre os possíveis motivos que criam as joanas, as sílvias, vanices e isabelas; sobre os champinhas, os joão hélios. Não poderei deixar de dizer do tempo que falta às famílias, do que é capaz a opressão, das tantas formas de exploração, expropriação e dominação à que estamos sujeitos, todos os mortais. Não poderei me esquecer da Senadora Ingrid Betancourt, há seis anos seqüestrada, para quem não vi ainda um movimento sequer, das mulheres engajadas e combativas de nosso país. Não poderei jamais me perder do tempo, da história...

E não poderei, devido algo que se imiscui aos meus sentimentos de deslumbramento, de medo, de indignação, de contentamento, de desejos, entre cansaços – e que é mais forte do que todos estes. Não sei bem o que é, mas me conduz. Às vezes, me enternece, depois alimenta. Às vezes me confunde, mas não me angustia.

Como escrever o que o coração diz? Coitado. Bate tanto, apanha, nunca para, pouco fala. Vai e vem, ainda bem. Ele mesmo não é livre, tem compromissos; e não pode agora me dizer algo preciso, valioso, que resolva minha necessidade de escrever um tema livre. Ele está condicionado. Mas nem um pouco com angústia. Capota em sorrisos ao lembrar afagos dados, trocados. Encontros, entre desencontros.

Meu coração contém ruas e esquinas, asfaltos e buracos. Ramalhetes, lírios, bilhetes, serenatas. Tardes com sol, tardes com chuva. Tem quartos e chaves e escadas e alicates também. Telas de cinema, sons de violão, saladas, vinhos, pães, amizades e amores. E carne e sangue. Tem noites e manhãs, tédio, remédios reticências. Algumas coisas passam perto da perfeição.

Já vinha mesmo pensando sobre o que tenho no coração, além do prolapso mitral. Percebi que em nome da razão, de tomar jeito, de crescer, de ter juízo, deixei de manifestar muito dos sentimentos que senti, de carinho, de insegurança, de ojeriza. Deixei de me expressar, de dizer que me maravilhei, tanto quanto que me magoei ou que me senti ofendida. Sempre busco São Francisco como referência de modo de vida, mas estive me fazendo de São Bernardo, bebendo óleo como vinho.

Nada como um dia após o outro. Dialeticamente como sempre, a vida, com seus eixos e seus desleixos, em movimento, me ressurge diferente. Em meio às capotadas de meu coração, consigo feitos que me renovam o ser e sigo em frente.

Mas não me engano; não me desconecto do que li, do que vivi, do que senti. Se tiver estilo literário, ousarei encontra-lo. Embora sempre tenha gostado de escrever, as experiências que tive na universidade me castraram um pouco e não tenho tido a oportunidade de ser instruída nesta arte. E sei que orientar é diferente de castrar, de tolher. Orientação é fundamental em tudo, eu acho. Por isso, mesmo o tema sendo livre, não consegui não me ater a fatos, me delonguei, orientada pelo meu coração, que está repleto.

Muito difícil um tema livre, e não é livre minha alma, nem meu coração, condicionados em meu corpo. Sou ser coletivo, histórico, não consigo viver melhor sozinha, nem ser diferente. Talvez não agrade, mas este não é o desafio, embora esta idéia me encante.

POR UMA NOVA POLÍTICA CULTURAL

* Publicado no Jornal "O Popular" em 06 de maio de 2000.

Mesmo não sendo uma estudiosa da antropologia, dedico-me às leituras que enfocam a questão da cultura enquanto elemento integrante e integrador das sociedades.
E é a partir daí que venho percebendo uma significativa omissão conceitual no pensamento dos que lidam e se referem à política cultural, pois esta tem sido reduzida às expressões artísticas.
É fato que a arte interfere no comportamento humano e que a Secretaria Municipal de Cultura tem promovido eventos que refletem a riqueza artística da nossa cidade.
Porém, a cultura deve, ao meu ver, receber análises que abrajam com mais rigor o seu território, promovendo além das artes plásticas e cênicas, da musicalidade e da literatura, as idéias, crenças, valores, normas, atitudes, padrões de conduta e abstrações que nos conduzam à um desenvolvimento qualitativo de nossa existência, em um mundo "sem fronteiras".
De que modo conseguir tamanha façanha?
Ora, como não faz parte das ciências exatas, a promoção cultural não exibe regras, o que dificulta o seu desenvolvimento. E como uma política cultural é uma política de longo prazo acaba sempre entrecruzada por elementos circunstanciais, perdendo a sequência e esbarrando em interesses ideológicos e eleitorais.
A lacuna entre as mudanças objetivas do mundo em geral e a estagnação da política emancipadora está minando a visão de futuro pelo qual devemos lutar. Mas a interseção da história e do futuro é a essência da política e do governo em sua melhor acepção. E hoje, um grande número de pessoas, alimentadas por uma dieta consistente de más notícias, filmes de catástrofes e cenários de pesadelo, aparentemente pressupõem a destruição gradativa da sociedade.
Acreditando piamente que as catástrofes econômicas, sociais e políticas não aumentaram, mas que são veiculadas com maior rapidez e riqueza de detalhes e também acreditando no progresso das lutas sociais, antevejo uma transformação na maneira como vivemos, trabalhamos, divertimos e pensamos, pressuposto de um mundo sadio, desejável.
Daí a importância de se ampliar a socialização da cultura, reorganizando a a vida cotidiana através de uma ação política que alie conhecimento, reflexão, discussão e mudanças, utilizando para isto, por exemplo a pesquisa participante, que oferece à comunidade o conhecimento de si mesma e a discussão sobre os estilos de vida e valores existentes e os necessários para conquistarmos um nível superior de liberdade e realização humana em um futuro melhor, mais civil, mais decente e mais democrático.
Precisamos de pesquisas, conferências, concursos, enfim, eventos culturais que contribuam para a superação do individualismo, da falta de solidariedade e de consciência coletiva, após identificar a vontade e a consciência dos indivíduos sociais, desenvolvendo a personalidade moral com novos valores para a vida.

Uma nova civilizaçãoemerge e traz consigo novos estilos de famílias, de lazer, de vida. Surgem novos paradigmas para os setores econômicos e político e acima de tudo, uma consciência modificada.
A política cultural desejável emprega, discute e socializa um plano de pesquiza sobre os velhos e novos modelos de relações humanas, desvela e divulga as várias dimensões da vida social e desempenha a função de construtora de uma vontade coletiva hegemônica, além de eliminar a apropriação privada ou elitista do saber e da cultura.
Em nossa época, pela rapidez e pela intensidade das comunicações, pela integração das várias crenças, a política da cultura talvez tenha se tornado pela primeira vez possível, segundo escreve Norberto Bobbio, em Os Intelectuais e o Poder, onde estabelece relações entre a política e a cultura, colocando de forma apropriada a cultura na evolução da sociedade, já que, citando Umberto campagnolo, "a política separa, a cultura une".
Para Gramsci, a cultura é um meio privilegiado de despertar nos homens sua consciência universal. Apregoou que junto às batalhas econômicas e políticas, a batalha cultural proporcionaria a sociedade justa pela qual os libertários sonhavam. Gramsci lutou sempre pela difusão de cultura universal que promovesse a formação de uma vontade coletiva de transformação social, por não acreditar nas reformas impostas "do alto". Em Gramsci, a batalha cultural implica um movimento que recolha e sintetize os momentos mais elevados da cultura do passado, que una a profundidade intelectual do Renascimento com o caráter popular e de massa da reforma.
Uma nova visão de política cultural se faz necessária e urgente. Com premissas que ampliem as condições de conhecimento intelectual, de expressão, associação, opção, participação e interferência do homem no mundo, estimulando assim suas aptidões e contribuindo de maneira sempre mais eficiente para o progresso e o bem estar da sociedade.