Os movimentos populares, que originariamente se fundamentaram na contestação, na revolta, no heroísmo e nas reivindicações, hoje precisam se caracterizar pela realização, pela conquista e afirmação de sua própria identidade e papel social e pelo embasamento metodológico.
Através dos movimentos populares, torna-se possível a construção do sujeito coletivo, que participa de um conjunto de noções, valores e crenças subjetivas comuns a outros sujeitos. Daí a importância de que os movimentos lutem em caráter menos ativista, buscando a participação da sociedade, com democracia, saindo do vanguardismo e do corporativismo.
Os movimentos populares precisam ter força de opinião popular e só conseguirão fazer isto quando se fizerem compreender no âmbito da sociedade, enquanto germes da transformação social sonhada por libertários, humanistas e democratas.
Questionar mais do que contestar, construir mais que reivindicar. Este o novo perfil que os movimentos precisam adquirir, promovendo discussões capazes de alterar o nível de participação das pessoas que realmente querem mudanças na sociedade, e formando assim, novos blocos históricos na luta pelo bem comum.
Vale lembrar que quando o Brasil foi colonizado, a primeira coisa que foi montada aqui foi uma estrutura equivalente ao Estado, para controlar o fluxo de pessoas, de riquezas, de comércio. Então, no Brasil, o Estado veio antes da sociedade propriamente dita: isto era mais forte e se sobrepunha à sociedade, não de maneira passiva, pois os índios tentavam resistir à dominação européia defendendo suas terras e sua gente, dando início às lutas sociais.
Na Europa, a sociedade se forjou ao longo de séculos e séculos e foi gestando o Estado.
Os movimentos pela Independência do Brasil, pela abolição da escravatura e pela República foram movimentos de vanguardistas. Ao povo soeram destinadas as lutas. Não discutiam ou conduziam o processo. Mas foram estes movimentos que lutaram contra os conservadores da situação de miséria em que vivia a maior parte dos brasileiros. Contavam com o apoio de alguns políticos e da classe média urbana, principalmente intelectuais, literatas, profissionais liberais e estudantes universitários. Promoviam conferências, quermesses, festas beneficentes e comícios em praças públicas. Fundavam jornais, clubes e associações que difundiam suas idéias.
Como resultado destas lutas, tivemos uma pátria independente de Portugal, porém garantindo a mesma estrutura do Brasil colonial: concentração de renda nas mãos dos latifundiários, a monocultura, que mantinha a dependência externa e a escravidão. A abolição dos escravos foi feita de maneira lenta e gradual, com indenização para os senhores e nada para os escravos, que foram jogados ao desemprego e à marginalidade. A vitória dos republicanos nos trouxe um governo que promovia sucessivas e fartas nomeações, indenizações, concessões, garantias, subvenções, favores, privilégios e proteções. À partir do início do século passado, os conflitos sociais, econômicos e políticos geraram inúmeras greves e movimentos, apesar da truculência e das repressões que o Estado brasileiro empreendia contra esses movimentos.
Refletindo os movimentos populares, percebo a importância de que os movimentos sociais se entrelacem com o movimento cultural do País (vide século das luzes).
Bons tempos aqueles, em que rebeldia e juventude tinham tudo a ver com a busca da liberdade. O movimento hippie e o dos beatniks são exemplos de movimentos culturais bem diferentes do que vemos hoje. No Brasil, o tropicália foi um movimento cultural de cunho político e cultural bem diferente do que vemos hoje. No Brasil, o tropicália foi um movimento cultural de cunho político e social. Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano e Rita Lee entre outros, elaboraram músicas que tinham a ver com a realidade.
A contracultura que estes movimentos pregaram era fundamentalmente, um protesto contra os costumes e as tradiçõesda sociedade estabelecida. Os hippies acreditavam no amor e na paz universais. Achavam que as pessoas deviam sempre dizer o que pensavam e sentiam e que deviam agir naturalmente. Opuseram-se à situação dos EUA na guerra do Vietnã e não pensavam que determinadas pessoas devessem ser ricas e outras pobres. Estavam sempre ao lado das minorias injustiçadas. Os Beatles contribuíram com suas canções para difundir o movimento Hippie. Entre outros hippies, encontravam-se o psicólogo Timothy Leary, os cantores Joan Baez e Bob Dylan, o poeta Allen Ginsberg e o romancista Ken Kesey. Com o tempo, a maioria dos hippies percebeu que não podiam reformar a sociedade ficando à sua margem. Muitos assumiram posições radicais e vincularam-se a causas sociais.
Os Beats também eram jovens contestadores movidos a literatura. Apareceram logo após a Segunda Guerra Mundial, num mundo marcado por traumas culturais, econômicos e políticos. Os EUA, seu berço mergulhavam em um fanatismo anticomunista. No meio de um caldeirão de conflitos, um bando de malucos em sintonia com o resto da juventude yankee, solta um grito de desespero que ecoou por toda a América e o mundo. Um desespero pela liberdade. Poetas libertários, ultrapassando preconceitos, inovando, procurando nos guetos negros e nas noitadas intermináveis de jazz em qualquer buraco do seu país o sentido da vida que o leviatã tecno-capitalista não oferecia. Viagens intermináveis de carona, de trem (3ª classe) ou mesmo à pé, sem um tostão no bolso. México, África, São Francisco, N.Y., Denver etc.. Jovens cultos, visionários, escritores brilhantes. Entre eles, Hal Chase, Jack Kerouac, Burroughs, Neal Cassady.
A experiência diária de pensar e sentir fazia parte do cotidiano destes movimentos, apesar dos seus equívocos e limitações.
Hoje não sabemos ao certo o que pensam os punks, os grafiteiros, os metaleiros, os pagodeiros. Os jovens estão como naus à deriva, em movimentos que nem sabem da existência de pessoas que lutam por uma sociedade mais justa e fraterna. A falta de valores que grassa a nossa sociedade tem gerado uma falsa liberdade para alguns, tem gerado descrença, depressão, violência, toxicomanias, auto-exilamento e autodestruição.
E então fica o desafio: como associarmos movimentos sociais e movimento cultural hoje? Apesar de já estarmos analisando nossas correntes hereditárias, com a culpa que está aí, sem ser pensada, dificilmente vamos nos livrar de nossa situação, tão precária...
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