domingo, 19 de dezembro de 2010

Minha Casa

*Artigo publicado no jornal Diário da Manhã, em 19.12.10

“... É mais fácil cultivar os mortos que os vivos,
Mais fácil viver de sombras que de sóis...”
Zeca Baleiro

Já pensei muito sobre a vida, sobre o mundo. Já quis muito viver e já vivi sem querer.
Pensei a morte, tive medo, a desejei, já cuidei dela, já sofri por causa dela. Já a evitei e também cheguei perto, acho.
Já percebi que não importa quão bem eu esteja, quase sempre as coisas ao meu redor estão conflitantes. Aprendi a dar valor às coisas, pois entendi que o fenômeno é a manifestação da essência, com a Fenomenologia.
Entendo que não sou este corpo perecível, “saco de excremento”, como dizem os devotos Hare Krsna. Sei pouco de mim, mas procuro me conhecer e gosto de ter conhecimento sobre meus antepassados.
“Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos...”
Entendo também que o corpo é a casa da alma.
E já não quero entender tudo.
Tento, no máximo, entender o concreto que vivencio, porém meu gosto pelo etéreo, com o que se me revela essência, é inevitável.
Ah, as contradições. Vida e morte, corpo e alma, essência e aparência (fenômeno). Temas que me interessam.
Na morte, tanto como na vida, precisamos de dignidade. E não temos.
E é sempre “tão estranho, os bons morrem antes...”, como disse o Renato Russo.
Acompanhei a preparação do corpo de uma pessoa amiga, desde sua retirada da capela do hospital até sua chegada para o velório, em cidade a cerca de 6 horas de Goiânia.
Ajudei no embalsamamento, pegando materiais, cantando, rezando, lavando, penteando, colocando flores enfim, participei ativamente e ouvi do moço da funerária (ex-açougueiro), um obrigado e o comentário de que “podia ter sempre uma ajuda assim...”.
Pude ver transformações na face dela, até serenar, e também nas energias, durante todo o ritual, até o sepultamento.
Já tinha ajudado na preparação do corpo de vovó, mas neste, não houve embalsamamento. Lembro-me da chuvinha rala, com sol, quando cheguei em meu apartamento e olhei rumo ao Jardim das Palmeiras. Depois, escutei O Vento no Litoral, do Legião Urbana.
Penso que as funerárias têm que ter toalhas decentes. Sabonetes, buchas, tudo decente. Chegou lá, como disse o preparador (ex-açougueiro), é tudo igual. Tem que ser mesmo, mas com decência prá todos, não digo luxo.
Não sei se a morte é o fim, mas nesta vida ainda quero ver a valorização deste momento, no sentido da espiritualidade, em contraposição ao horror de alguns.
Como nas passagens bíblicas ou nas sociedades orientais, gostaria de ver nossos corpos sendo encaminhados à eternidade, cremados ou de volta prá terra, após uns banhos e óleos, além das orações de ritos duros, inflexíveis... Sei lá.
Em torno da morte tem ainda mais comércio do que da vida. E ainda mais negligências. Com o agravante de que o cliente não pode reclamar, ou não consegue...
De 1985 para cá, já recebi vários recadinhos em mensagens psicografadas, endereçadas a minha mãe.
Não penso muito, nem trabalho voltada para a vida além da morte, mas respeito e muito este trabalho espiritual, que considero valoroso e valioso.
Fui dia destes, a um centro kardecista, em busca de missiva pra mamãe, que está impossibilitada de se fazer presente; em nome da saudade, aproveitei e pedi mensagens também, mas em vão. Recebi emocionadíssima, a mensagem prá mamãe, com a breve menção carinhosa à minha pessoa.
Mas tudo bem. Depois de ter feito o silêncio necessário, de ter lido salmos da bíblia que carrego na bolsa, ouvido músicas lindas, lido um pouco do Nietsche que meu amigo Júnior me deu e ouvido algumas reflexões acerca do Evangelho, em companhia de minha filhinha, reencontrei algumas amigas de mamãe. Todas muito queridas, e foi ótimo nosso papo de mulheres vivinhas, de se ver.
Uma beleza.
Ao voltar a minha casa estava irradiante.