quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Por causa do Papai Xande

*Artigo original publicado no jornal DM em 24.08.11

Ouço-o contar da infância com tanta doçura, que não pensava na falta que fez o pai Natal, que falecera quando ele tinha oito anos, em Jaraguá.
Não me canso de pensar que aí já precisou começar a trabalhar para ajudar minha avó Tide e seus oito irmãos, e em seu sonho realizado, de comprar e comer uma bola inteira de salame, com o primeiro salário que ganhasse na padaria.
É impossível tomar sorvete sem me lembrar de como me pai gosta de um sorvete, de um doce. E da minha ambrosia, meu pão integral.
Penso sua vinda para Goiânia, adolescente, a oportunidade de morar com a prima que se tornou escritora, Dna. Nelly Alves. Gosto de saber dos tantos relatos da mocidade, dos anos 50, 60, 70... Das lambretas, da experiência com o Projeto Marechal Rondon. Penso no fato de meu pai ter deixado de estudar Direito para garantir o sustento da família, como Desenhista.
Sinto orgulho de saber que meu pai contribuiu com a construção de Brasília, e percebi que vem daí minha paixão por esta cidade, de onde ele sempre chegava barbudo e de onde veio meu primeiro Chokito, o que aqui em Goiânia ainda não havia. Orgulho dos lápis de cor Caran D’Aché vindos de São Paulo, para o seu escritório particular, e que acabávamos ganhando.
Gosto de me lembrar de quando o ajudava a conferir os números nos cálculos dos serviços de agrimensura e desenho. De vê-lo lendo jornal na prancheta de casa, fazendo a cruzadinha, ou com a espuma de barbear; de ouvi-lo cantando tão docemente e declamando versos em latim e dizendo trocadilhos. De sabê-lo ex-coroinha, de lembrar o quanto era curiosa para saber o que havia na maleta da maçonaria, de pensar em como meu pai é boa pessoa, bom homem. Nada herói. Homem.
Lembro - me as vezes que papai me levou para o trabalho, na SUDECO, na METAGO ou no escritório da Rua 8, quando passeávamos pelo Café Central, pela Pizzaria China ou pela Fonte do Paladar.
É engraçado lembrar de mim e Adrienne andando de mãos dadas com ele pelas ruas centrais da cidade, quando ele lia uma palavra de trás para frente e nós encontrávamos a palavra na fachada comercial e a líamos do jeito certo e ríamos, comemorando e ele já aparecia com outra... Era muito bom, isto.
Eu agradeço ao me pai tanto esforço e dedicação a mim, à nossa família. Agradeço-o pela mãe maravilhosa que me deu. E o fato de que vou tocar para a Valentina, que vem aí, os bolachões com as dedicatórias que ele me fez, como de A Bela Adormecida, A Bela e a Fera, Festa no Céu... Noite Cheia de Estrelas. E ela vai ler os livros que ele me deu.
Lembranças latentes me mostram inúmeros passeios diários a bordo de fusquinhas, brasílias, belinas, do Peugeot. De nossas idas aos rios de tantas cidades goianas, às igrejinhas, à casa de Vó Nair e de tantas tias. Estradas e estradas, quase sempre a 40 km por hora. Das solenes idas aos rodízios, aos clubes, ao campo do Atlético. Às praças Joaquim Lúcio e da Matriz; à Praça Cívica, para nos assentar e comer pipoca em frente às fontes luminosas e à Praça do Avião, para o “pit-dog”.
Lembro-me de nós no Bar Azul, nas festinhas da escola, no papai-noel do pátio da CELG, na Feira Hippie, na Rua do Lazer e nas filantropias de mamãe; comendo pastéis no Mutirama, algodão doce no zooloógico... Dos tantos guaranázinhos, bombons, pamonhas e revistinhas da Mônica, Chico Bento, Luluzinha.
Ah, eu sinto saudade, sabe... De ir para a escola ao lado de papi, ouvindo música instrumental ou então a Difusora... Até na época da faculdade foi assim. Lembro-me de meu pai comigo comprando livros, na livraria da UCG...
E claro, lembro sorrindo, meu pai comigo, criando meus filhos e filhas, carregando, levando, buscando... Sempre radiante, bondoso, trabalhando.
Eu penso tudo isto, agradeço a Deus a existência de meu pai e não vejo alternativa, preciso dar certo!