sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Contradições e mediações entre o marxismo de Gramsci e o de Irapuan Costa Jr.


    *Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã na 1ª quinzena de setembro de 2013, em resposta ao artigo do Sr. Irapuan, e também no Jornal Opção, onde o srtigo do referido senhor fora publicado

Em recente artigo, o ex-governador de Goiás, Irapuan Costa Jr., expressa, na páginas do jornal Opção, suas “lógicas” conservadoristas no mais puro estilo saramandesco, chegando a afirmar que Gramsci “ é o estrategista do mal que influencia o Brasil”. Quisera influenciasse. O Gramsci, claro.
O gramscismo nunca chegou ao governo, que sempre é o poder.
É preciso entender que Karl Marx, Vladimir Lênin e Antonio Gramsci, entre outros, são elos de uma mesma corrente, e que se Gramsci foi mais perspicaz, foi devido ao que recebeu e à vida que levou, ao seu tempo e espaço. Vida disciplinada e dura, de perseguições, saúde debilitada e com ideais transformadores, em meio ao fascismo.
O problema do conhecimento produzido pela esquerda, é que ele é quase sempre desvirtuado, conhecido debilmente, explorado com preconceitos. O do produzido pelos conservadores é que ele é limitado e quase sempre com objetivos espúrios à construção de uma consciência coletiva. O conhecimento sempre é problema se vira arma para inculcação ou dominação ou vil exploração.
Não entendo como pode o ex-governador duvidar de que o capitalismo está em crise e de que os autores que citou em seu artigo, formularam a partir do real. E não entendo a realidade em que vive o mesmo, quando não enxerga o empobrecimento, que aparece no endividamento das famílias, nas notícias sobre corrupções e desvios no setor público, na selvageria e barbarismo dos crimes que acontecem a todo minuto em nosso país e no mundo capitalista selvagem... Escatológico é não enxergar a história, a sustentabilidade e a promoção do humanismo enquanto condições para evolução da sociedade e ainda, a concentração de rendas e de riquezas, compreendendo estas, não apenas enquanto bens materiais.
Se por um lado, não queremos uma “ditadura do proletariado”, de outro, precisamos modernizar o pensamento e as relações, para uma verdadeira prosperidade e evolução humana e social, através da democracia participativa e dialógica.
Meio para o ex-governador, em conhecimentos. Talvez lhe falte consciência de classe para a negação necessária ao conhecimento crítico, ao pensamento filosófico.
Não é interessante querer a derrocada do capitalismo, mas o seu ajuste a uma lógica humanizada, pois que, se ele é uma construção humana, pode ser transformado pela ação humana, lapidado, adequado aos interesses da humanidade e não de uma entidade chamada “mercado”, que dita cegamente normas e comportamentos absorvidos da mesma maneira.
A falta de objetividade e de expressividade, o preconceito umbiguista e o urubusismo contaminam os que pensam e têm poder, hoje. Os homens citados e ridicularizados por Irapuam Costa Jr., não somente denunciaram e revolucionaram o pensamento para todos os tempos, como defenderam a necessidade do fim da exploração e da dominação do homem pelo homem e deram suas vidas por isto, porque isto se fez necessário; não fugiram ao seu tempo.
Os tais homens ridicularizados ousaram pensar, sonhar e agir em seus tempos. Nos falta a nós, que podemos e temos liberdade e muitíssimas informações e recursos, sonharmos com uma vida melhor para todos, em nosso tempo, e como eles, lutarmos obstinadamente por isto de forma mais coletiva, para construirmos isto. O que Gramsci viu e que o ex citou sobre a sociedade civil é muito importante para a construção da sociedade ideal.
Como pode o senhor Irapuam, negar que o poder tem que ter respaldo das organizações civis e que estas têm que estar organizadas? Eu ainda estranho um pouco, o não enxergar das pessoas diante de uma colheita, em que há joio e trigo... Interessante como o senso comum não é questão de
classe social, nacionalidade, idade...
Sou uma defensora das “organizações burguesas como igreja, sindicatos, universidades, imprensa”, família, Estado e também sou gramcista. Amo Gramsci e sei que nada neste mundo é perfeito. Respeito sua vida, sua história e sou grata pelo conhecimento que ele produziu e que me orienta em minhas aspirações e metas.
A busca do “consenso”, a intelectualidade orgânica, a organização da classe trabalhadora (entendendo que intelectuais são trabalhadores do pensamento), o entendimento sobre as contradições e sobre o que é a hegemonia, sobre qual o papel da cultura na substituição dos valores capitalistas de burgueses selvagens, por valores morais e éticos fundamentados na justiça social e na práxis, são tópicos do exercício do Serviço Social, profissão à qual me dedico.
Não sou ideológica, não quero heróis, não acredito em salvadores da pátria e nem em vanguardas revolucionárias. E acredito que a divisão social do trabalho é o que nos une, o que nos garante a riqueza que temos e que precisa ser conhecida, reconhecida e experienciada.
A avaliação e a crítica permanentes do poder público, o entendimento quanto aos limites e alcances da polícia e da repressão e ainda, da marginalidade enquanto fruto histórico da injustiça social e da exclusão burguesa, são condições sine qua non para a construção de uma sociedade melhor. E digo isto, mesmo sendo defensora da sociedade burguesa, embora o que queira realmente, seja uma casa no campo.
O ex-governador promoveu em seu artigo maniqueísta e tosco, o nada, misturando pensamentos e conclusões que não combinaram. Mostra o que é bom, obnubilado, para parecer ruim; e o que é ruim, preconceituosamente, sendo ruim, nota zero, o resultado, incoerente.
Como negar a presença nefasta de latifúndios, de mão de obra escrava, de depredadores da natureza, de gananciosos apropriadores de mais valia, de sonegadores e de parasitas especuladores em nosso sistema socioeconômico?
Ora, como Marx e todo pensador, Gramsci produziu conhecimentos e conclusões partindo do contexto de seu tempo, dentro de suas possibilidades. Cabe a nós, produzirmos a partir do nosso tempo, o pensamento que precisamos para construirmos o mundo novo que desejamos, aproveitando o conhecimento que já existe, reformulando e/ou produzindo novos conhecimentos, novas sínteses.
Precisamos abandonar de vez os pensamentos totalitários... A totalidade tem que ser compreendida enquanto dinâmica, dialética, em seu vir a ser...
É incrível como o ex governador se dispõe à discussão e como a esquerda revolucionária tem se escondido do debate. E como eu, com meus parcos conhecimentos, ansiava por esta discussão, mesmo não sendo socialista nem nada.

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