terça-feira, 22 de julho de 2008

NÃO SOMOS LÍRIOS NO CAMPO

*Publicado no Jornal "Diário da Manhã" em 11.07.08

É certo. Nós, seres humanos, somos os únicos seres da face da terra, capazes de planejarmos, de modificarmos nossa trajetória, nossas funções, nossos interesses, nossas capacidades. Sempre, através do trabalho, mas diferentemente do trabalho das abelhas, por exemplo. Segundo Harry Braverman, escritor e político americano, comunista, “o que distingue a força de trabalho humano é (...) seu caráter inteligente e proposital”.
Constatado está, que o trabalho e a produção são características intrínsecas ao ser humano. E isto é, não apenas inegável, como imutável. O mesmo não acontece com as condições de trabalho, que se processam historicamente através das relações de produção que os homens estabelecem entre si e com a natureza.
O trabalho do homem é seu modo de viver e de manifestar sua vida, sua maneira de ser, que é conjugada ao que ele produz e consome e ao modo como ele produz e consome. “As relações de trabalho determinam o seu comportamento, suas expectativas, seus projetos para o futuro, sua linguagem, seu afeto”, de acordo com o estudioso da Psicologia Social, Wanderley Codo, para quem “cada gesto, cada palavra, cada reflexão, cada fantasia traz a marca indelével, indiscutível de sua classe social, do lugar que o indivíduo ocupa na produção”.
Tenho podido defender aqui, no Diário da Manhã, posicionamentos na defesa do lazer e do ócio e avalio, como muitos, que a redução da jornada de trabalho e o aumento da idade mínima para entrada no mercado de trabalho são mecanismos que podem ampliar as vagas deste mercado para que pais de família consigam trabalho e também os dados que indicam menos de 20% da população economicamente ativa com mais de 11 anos de escolaridade. A intenção não é jamais, propor a indolência, o parasitismo, a libertinagem ou qualquer espaço propício a “oficinas do diabo”. Antes, ao contrário.
A questão é que em nossa sociedade, na qual o homem vale pelo que possui, a felicidade toma o âmbito da posse de bens materiais, e, sobretudo, da aquisição daquilo que tem o poder de adquirir todos os objetos: o dinheiro.
Questiono a visão romântica ou puramente economicista do trabalho. Grosso modo, o homem, seu crescimento, sua satisfação, nada disto é o objetivo do trabalho em si, mas o trabalho é o objetivo do homem e a riqueza o objetivo do trabalho.
O trabalho é atividade vital e não apenas atividade material resultante do desempenho de nossas funções profissionais, para recebimento de salário. É preciso que se leve em conta o que está na mente do trabalhador enquanto produz. Esta relação mental/material é contínua, se reproduz na vida subjetiva e na própria reprodução material que se efetiva. O trabalhador está sempre juntando o que faz intelectualmente, o que produz através do trabalho físico e o que experimenta como pessoa. Não existe o que chamam de mente ociosa, a menos que se atinja o nirvana, que antes de acontecer precisa de muito exercício (trabalho) e disciplina. Para Marx, “os homens realizam trabalho, isto é, criam e reproduzem sua existência na prática diária, ao respirar, ao buscar alimento, abrigo, amor etc.”.
Por isto é urgente e necessário estabelecermos um modo de vida que estimule os “hábitos do bom trabalho” para que o homem possa continuamente usar a experiência de seu trabalho em sua vida em reciprocidade. O homem não é um ser abstrato, determinado, isolado de situações reais, históricas e presentes, nas quais transcorre sua vida, forma-se sua personalidade e estabelecem-se relações de todos os tipos.
O trabalho modifica não apenas suas condições iniciais objetivas, os trabalhadores mudam com ele, pela emergência de novas qualidades, transformando-se e desenvolvendo-se na produção, adquirindo novas forças, novas concepções e novas necessidades e ainda, se reproduz no cotidiano, na própria condição de existência dos trabalhadores, na idéia que têm de si, e em seus relacionamentos com outros indivíduos.
O trabalhador não é capacidade de trabalho puramente subjetiva, ele enfrenta as condições objetivas do seu trabalho. Se, em determinada situação, o homem primitivo lutava pela sobrevivência a partir de relações originais e espontâneas com a natureza, as diversas transições e fases pela qual passou, levou-o à separação dessa natureza, em um processo antagônico no qual, na medida em que este homem formou as civilizações, desenvolveu-se nas sociedades um processo de individualização humana e o homem foi se especializando em funções, criando assim, a divisão sexual e posteriormente, social do trabalho.
O que deveria se tornar motivo de cooperação passa a ser a razão da alienação. O trabalhador passa a produzir para outros o que nem sempre possui e a possuir o que não produz, passando a viver, não do produto de seu trabalho, mas da venda de si, de sua capacidade, sua força de trabalho em troca do salário. O ser humano hoje não é dono de si mesmo, nem de seu universo. Ele passou a ter valor de uso, e muito aquém de suas reais necessidades vitais e de sua produtividade, o que garante o excedente da produção que vai propiciar o lucro do capitalista, através da mais valia.
Para o capitalista, o trabalhador não constitui uma condição de produção, mas apenas o trabalho o é. Se o trabalhador tiver que ser trocado, o é facilmente, pois a reprodução da classe trabalhadora é garantida no capitalismo, com mecanismos estruturais e ideológicos que recriam os enormes exércitos de reserva. Se o trabalho puder ser executado pela maquinaria, tanto melhor. Daí a terrível idéia de que ninguém é insubstituível, como se o homem fosse um objeto.
Na sociedade capitalista, onde o trabalho se transforma em mercadoria e na qual o estudo adapta-se às exigências da produção comercial, tende-se a fazer de qualquer atividade profissional um meio para satisfazer interesses pessoais egoístas, despojando-a assim, de sua significação social.
Não se pode esquecer que, para o marxismo, o capitalismo representa uma fase historicamente necessária, e carrega em gestação, a nova sociedade. O ideal humanista do pleno desenvolvimento individual está mais próximo do que jamais esteve em qualquer fase anterior da história. Apenas aguarda o que Karl Marx chama de “etapa pré-histórica da sociedade humana”.
A revolução marxista tem por objetivo conciliar as relações sociais e a força de produção, restabelecendo o homem perdido de si mesmo, para que ele volte a apropriar-se de sua essência humana, mecanizada e esfalfada no dia a dia do trabalho que o expropria.
É preciso que o mercado e os setores hegemônicos percebam os prejuízos decorrentes das perversidades deste sistema capitalista, que perpetua a concentração de renda, prioriza o trabalho material em detrimento do trabalho espiritual e intelectual e não garante os direitos fundamentais do homem, previstos constitucionalmente.
Considerar os extremos, pensar o oposto, vários pontos de vista, é característica do método que uso para compreensão e atuação na realidade; sou marxista, graças a Deus, e creiam, sempre trabalho muito e não possuo a visão aristotélica do trabalho, considerando valoroso apenas o trabalho intelectual.
O que acontece é que, sendo cristã e cheia de fé, cedo percebi que no mesmo livro usado como referência para a afirmação de que é preciso trabalhar para se ter o pão – a Bíblia, fala-se que não devemos acumular riquezas materiais, que devemos desejar ao outro o queremos para nós, que devemos reservar tempo para nossa espiritualidade, pois “nem só de pão vive o homem”. Em nenhum lugar deste livro, o trabalho físico aparece como única ou como a melhor via para a salvação da alma e para a inclusão social.

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