segunda-feira, 14 de julho de 2008

O PRAZER E ALGUMAS CONEXÕES

* Publicado no Jornal Diário da Manhã em 11.07.2008

O que mais tem me interessado na gestão do prefeito Íris Rezende é a sua disposição para a construção de espaços de lazer. Principalmente por saber da história deste Prefeito, o prático criador dos mutirões para sonhadas casas próprias. Digo que ele sempre me causou admiração e respeito, desde pequenina, e me lembro do encantamento que me causava e causa o Mutirama, construído em sua primeira gestão do município de Goiânia. Este imenso parque de diversões por diversas vezes me abrigou, em passeios com familiares e escola, quando criança, com irmã e com amigas e nossas crianças, acompanhando turmas de educandos, sozinha ou com amigos, em caminhadas ao seu redor. Por ali, inúmeras vezes pensei Íris Rezende, entre tantas coisas e eu mesma. Quando criança, todos aqueles brinquedos, coleguinhas, os piqueniques, os pastéis e os olhares, os doces e correrias e choros, todas aquelas árvores, tudo era muito mágico.

Hoje, ainda fico pensando os pensamentos e as obras de Íris Rezende. Sua atuação agora, como antes, caracteriza sua visão de futuro e garante claramente um direito fundamental que muito me interessa: o lazer. Diferentemente de políticos que ainda insistem em pregar a criação de postos de trabalho e de bolsas auxílio, entre suas promessas pirotécnicas para inclusão social. Por isso, tenho esperança de mudanças com Íris Rezende, pela sua capacidade de sair do senso comum.

Recentemente, estando em Brasília, tive a oportunidade de ver a Exposição Oscar Niemayer. Fiquei mesmo embasbacada, como boi diante do palácio, mas ao mesmo tempo, com um sentimento de completude tremenda, em instantes de contemplação de algo que me pareceu muito familiar, meio que um reencontro mesmo, foi incrível, pois nunca havia visto toda a obra dele. A arte é assim, inebriante. O pensamento é inebriante, mas Oscar Niemayer foi a “coisa” mais lúcida, mais concreta pra mim, nos últimos tempos; como ele, só Batista Custódio. Ali, admirei, ri, chorei, parei, senti, pensei e olhei muito, suas obras, o espaço que as revelava e que inclusive fora idealizado por ele, as pessoas que ali circulavam como eu, me vi.

Em uma de suas escritas, nas paredes, Oscar N. fala do espanto das pessoas quando projetou o salão de bailes populares, na Pampulha. Ele não hesitou em explicar que o povo merecia aquele espaço e os momentos de prazer que ali desfrutariam, como teriam os ricos. Em outra parede escreveu que o que mais o agrada não é saber da funcionalidade de sua arquitetura, mas que “uma pessoa pobre poderia vê-la e se maravilhar com ela, ter uma surpresa, uma coisa nova, bonita”. Compreendi minha admiração por este comunista e sua obra. É incrível como ele fala da importância da fantasia, do prazer e da beleza, enquanto direitos humanos. E a sua busca pela flexibilidade do concreto e o quanto a sua obra, sempre grandiosa e “insinuosa”, impregna, reflete-se no espaço, como nas mentes, e como são sempre identificadas com a liberdade, a humanidade, a criatividade. Assim como é a sua vida, de cem anos.

Sempre cultivei, mesmo quando entrei no PT, alguma atração pela burguesia. Em algum momento, isto me causou certo desconforto. Mas tranqüilizou-me um trecho de Bertrand Russel em seu Elogio ao Ócio, no qual ele associa a burguesia ao ócio e ao desenvolvimento, nos escrevendo que “No passado havia uma pequena classe ociosa e uma grande classe trabalhadora. A classe ociosa desfrutava vantagens que não tinham qualquer fundamento na justiça social, o que tornou esta classe inapelavelmente opressora, limitou seu sentido de solidariedade e levou-a a inventar teorias para justificar seus privilégios. Isso fez diminuir enormemente a sua excelência, mas não a impediu de ter contribuído com quase tudo o que hoje chamamos de civilização. Ela cultivou as artes e descobriu as ciências, escreveu os livros, inventou as filosofias e aperfeiçoou as relações sociais (...) sem a classe ociosa, a humanidade nunca teria saído da barbárie”. Por isto entendo que defender o lazer, o tão combatido ócio, e questionar a estrutura quanto à jornada de trabalho não seja utopismo ou idealismo, mas senso de sobrevivência da humanidade.

No início da gestão de Alcides Rodrigues no governo de Goiás, como vice-governador, senti uma convulsão ideológica terrível quando li na imprensa, que o mesmo reduziria a jornada de trabalho nos órgãos do Estado, enquanto uma das medidas da reforma administrativa, por questões econômicas. Fiquei quieta, não alardeei, pois não ouvia isto da esquerda anti neoliberalismo, por onde eu andava; a idéia logo se perdeu, mas confesso que torci para que ela fosse colocada em prática, ainda que por neoliberais. No município, ficou decretado durante algum tempo, redução de jornada com negociação entre chefias e servidores, mas isto acabou, também por decreto, cerca de sete anos atrás, no discurso de “moralização”.

Já está provado que funcionários passam muito mais tempo no local de trabalho do que precisam para desempenhar suas funções, principalmente nas repartições públicas. O tempo excedente é sempre mal empregado e ainda gera custos com equipamentos que acabam sendo utilizados para questões pessoais, como o telefone e o computador. Por outro lado, claro, funcionários mais satisfeitos, desempenho melhor de funções.

Redução de jornada agora, propicia ao discurso contra a vida sedentária e mecanizada, a possibilidade de vir a ser modo de vida, quem sabe, ao menos daqui um século, em uma sociedade com uma mente e um corpo mais sãos, com interesses mais voltados para as artes, os esportes, para o conhecimento e para uma cultura mais universal e humana, em uma vida menos selvagem e alienante, capaz de construir sujeitos críticos, que buscam e que vivam realmente a plenitude da vida.

Voltando à Bertrand Russel, cito um trecho em que ele escreve que “Os prazeres das populações urbanas se tornaram fundamentalmente passivos: ver filmes, assistir a partidas de futebol, ouvir rádio e assim por diante”. Ainda que o tempo dele tenha sido o início do século passado, é atual, seu pensamento. Somam-se às diversões citadas, a tv, o computador, os celulares, as drogadições, as compras desnecessárias... Prazeres rápidos para uma sociedade que tem pressa.

O fato é que nossa sociedade sempre condenou os prazeres, o ócio, mas compactua com eles ora esculachadamente, ora veladamente, ora passivamente, ora doentiamente. Trata-se de começarmos a questioná-los. De assumirmos, enquanto pessoas de direitos, que precisamos deles. De entendermos o lazer que realmente é prazer e o que é prejuízo, sem a idéia de que tudo que dá prazer é ilegal, imoral ou engorda. O que deleita e nos transforma para melhor, o que amplia nossa criatividade vital e é eterno e o que é futilidade, o que é efêmero. O lazer também dignifica, purifica. “A virtude está no equilíbrio, em não buscar prazeres que causem desprazer”.

A crise da humanidade, a meu ver, não tem apenas caracteres macroscópicos, não se manifesta apenas nas instituições, na violência e na desagregação social, mas nas mais básicas concepções de mentalidade e de vida, que antes serviram ao poder hegemônico, enquanto instrumentos de inculcação e domínio.

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