quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Na juventude, tudo pode?

* Publicado no Jornal Diário da Manhã, em 10.09.08

“O homem só envelhece
quando os lamentos substituem seus sonhos”
Provérbio chinês

O Estatuto do Idoso, Lei sancionada pelo Presidente Lula, e que passou a vigorar em 1º de janeiro de 2004, visa regulamentar garantias já asseguradas pela Constituição Federal de 1988 e é, indubitavelmente, um campo fértil para a mobilização social em prol da efetivação de direitos básicos para pessoas com idade acima de 60 anos.
Esta Lei imputa à Família, à comunidade e ao Poder Público, o dever de garantir ao idoso a conquista dos direitos humanos e estimula a formulação de políticas sociais, o privilégio na destinação dos recursos públicos, o convívio, a informação, a ocupação e a prioridade no atendimento, quer público ou privado, assegurando atenção integral e vedando a possibilidade de discriminação de qualquer natureza.
No mundo todo a expectativa de tempo de vida vem aumentando e isto revela a urgência social de uma remodelação dos valores que permeiam a humanidade.
Embora o Estatuto seja uma conquista, a verdade é que não foi de uma luta popular. Representantes da sociedade civil, organizados em conselhos representativos puderam, através do Parlamento, garantir este instrumento de validação de reivindicações e expectativas, é verdade. Mas o que quero aqui colocar é o fato de que a Lei de Nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, é apenas um passo, é um meio e não um fim em si.
A lei por si só não garante resultados.
Precisamos construir sujeitos coletivos, que participam de um conjunto de noções, crenças e valores subjetivos comuns a outros sujeitos. Esta construção impõe que saiamos do vanguardismo e do corporativismo das lutas, buscando um caráter menos ativista e mais voltado para a participação cotidiana da sociedade.
O Estatuto do Idoso precisa ter força de opinião popular e ser compreendido enquanto germe de transformação social e uma aspiração coletiva.
No livro O Complô de Matusalém (sem tradução no Brasil), de autoria do alemão Frank Schirrmacher, o autor diz que os jovens devem mudar de comportamento com relação aos idosos urgentemente, sob pena, caso contrário, de construírem a própria ruína num futuro próximo, já que a humanidade está envelhecendo em uma velocidade nunca vista. Ficar velho é condição sine qua non de se manter vivo. Lutar pela vida é garantir um envelhecimento digno. Segundo esse autor, não estamos adaptados à experiência de ficarmos velhos e participamos, veladamente, de uma ditadura da juventude que nega a velhice.
Compreendendo esta ditadura enquanto resultado de um fenômeno econômico, o referido autor conclama à que jovens do mundo todo, no auge do vigor físico e intelectual, se revoltem contra o atual modelo biológico e cultural que vem sendo construído pela humanidade ao longo dos anos.
É neste modelo que quero me ater. Acredito no Estatuto, mas não creio que ele por si, indique a direção de uma sociedade para todas as idades.
Ora, uma boa velhice começa a ser garantida na infância.
O médico gerontologista Alexandre Kalache acredita que o envelhecimento na população vai obrigar os países a integrarem os idosos à sociedade produtiva, pois até 2050 a população mundial terá um número de idosos igual ao número de jovens.
Isto tem que alterar a mentalidade das políticas públicas e da sociedade privada, que não consideram este aumento acelerado e não se preparam para esta realidade.
O Estatuto encanta pela contundência no quesito responsabilização e nas questões de discriminação. Quanto à garantia de direito aos bens e serviços, creio que deixe um pouco a desejar. Não existe mobilização quanto a este tema. Faltam resistência e combate.
Considero uma afronta, uma hipocrisia, uma debilidade, o Art. 26, do Estatuto do Idoso, sobre a profissionalização e o trabalho, já que a realidade da maior parte de nossos idosos revela cansaço, problemas de saúde, e apesar de tantos anos trabalhados e filhos criados, enfrentamentos para garantir alimentação, saúde, moradia, ir e vir, lazer, educação.
Ressalte-se que menos de 20% da população brasileira tem mais de 11 anos de escolaridade e apenas 25% de brasileiros demonstram habilidades de leitura e escrita e são capazes de ler textos longos e localizar neles, mais de uma informação.
Há unanimidade entre geriatras, sociólogos e filósofos em dizerem que o cultivo de bons hábitos é fundamental para uma longa vida e uma vida com qualidade.
A receita básica é uma combinação das seguintes atitudes: eliminação dos vícios, dieta balanceada, prática de atividades físicas regulares, vacinação, acompanhamento médico, atividades intelectuais e manutenção da vida afetiva e do lazer.
É concreto afirmar que com o passar do tempo, as pessoas perdem massa óssea, enfraquecem músculos e se vêem mais às voltas com problemas de hipertensão arterial, diabetes, obesidade, tabagismo, sedentarismo, hiperlipidemia (colesterol e triglicerídeos altos) e estresse.
Na juventude, tem-se esta consciência?
Como conseguir, além das transformações físicas e emocionais inevitáveis da dita “melhor idade”, conciliar vida prática, real, com mudanças de hábito?
As limitações advindas da própria faixa etária e do modo de vida exercido, normalmente vão crescendo, ao invés de serem superadas.
A Lei garante o Direito no papel, mas na prática, a construção de uma nova sociedade só se dará coletivamente, sob um olhar mais nivelado das partes do nosso sistema social, econômico e político.

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