quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Alexandre, Cleusa, Adrienne e eu

*Publicado no Jornal Diário da Manhã, em 08.08.08


Somos primos. Engraçado isto. Quando a mãe de minha mãe se casou, meu pai, aos três anos, chorou e deu birra na igreja, pois queria se casar com ela. Minha avó Nair, que era prima de papai, lhe prometeu uma filha... Papai e mamãe catavam gabiroba, quando crianças; mais tarde, em Goiânia, ele a levava ao cinema; estudaram no mesmo Lyceu. Já se passaram as bodas de ouro de meus pais, e hoje é aniversário de Adrienne, minha irmã única. A ela, meus parabéns e o meu desejo de uma vida plena e longa.
Não me engano, sei que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher. E minha mãe é sem dúvidas, imensa, embora miúda no porte físico. Certamente tiveram seus confrontos, casaram-se tão cedo, ela, uma menina de 15 anos, ele aos 21, jaqueta de couro, uma vespa. Há poucos dias soube que ele deixou o curso de Direito para se dedicar à prancheta, pois era esta que rendia o necessário para o sustento da família. E rende até hoje, graças a Deus.
Cresci em meio a muitas viagens que papai fazia a trabalho na CIVAT, na SUDECO. Papai conviveu com o Projeto Rondon. Nós também, por tabela. Sendo desenhista, sempre tem em casa, sua prancheta e o material necessário para seus riscados, antes de dormir. Ele me pedia ajuda na conferência dos cálculos, o que me aproximou dos números e dos mapas. Papai Xande se aposentou na METAGO, há anos, mas nunca deixou de ter seu escritório.
Nosso primeiro carro foi um fusca, claro. Nele, viajamos muitas vezes por Goiás afora e quase sempre com vovó Nair junto. Adrienne e eu gostávamos de ir em um buraco (porta-malas), atrás do banco traseiro do fusca. Durante a construção de Brasília, era incrível ver papai chegando, barbudo, cheio de chocolates. Ah, os chocolates. Fui a primeira no colégio, a comer Chokito, trazido de Brasília. Depois, Barra do Garças, Xavantina, Minaçú, Caldas Novas. Ele nos contava as novidades e trazia mimos. Drí e eu tínhamos lápis de cor Caran d’Aché. E como eles eram cheirosos.
Papai nunca me bateu, nem quando eu trocava meus lápis de cor ou a camisa do uniforme, no colégio, com alguém que precisava mais que eu daquelas trocas.
Meus pais, vindos do interior, fizeram sacrifícios para nos oferecer os melhores colégios, sempre. E lanche. E ainda garantiram o curso superior. Tive oportunidade de freqüentar escolinha no SESC, de fazer ginástica rítmica, jazz, voleibol, karatê-do. Fiz teatro com Cici Pinheiro. Não quis estudar línguas, mas nunca tive dificuldade no inglês, que conheci muito cedo através do método áudio visual, no colégio. Sempre gostei e tive facilidade com o Português, certamente por ver todos os dias, papai e mamãe lendo muito. Não faltavam em minha casa, jornais, revista Cláudia, cruzadinhas e uns livrinhos de caubói, pois papai sempre os comprava. Gibis também, embora tivéssemos o momento certo para lê-los.
Hoje, quando vou ao centro de Goiânia, ainda elevo os olhos para os prédios, e embora não me pareçam mais infinitos, são mais densos, repletos de lembranças. Papai é muito brincalhão, gosta de trocadilhos, de frases em latim, de colocar outros nomes engraçados na gente. Papai sempre trabalhou e teve escritório no centro, onde freqüentemente estávamos. Andávamos e ele lia as palavras, nas placas de propaganda, de trás para frente e nós a achávamos, lendo-as corretamente. Café Central, Pizzaria China, Rua do Lazer, Praça Cívica, mercados populares, tudo no centro lembra minha infância tão querida. Daí minha paixão por ali e a idéia fixa (que trouxe ao voltar de São Paulo, em 1992) de revitalização do centro, que defendi e ajudei a deflagrar, transformando em proposta para o meu candidato, em 1996, e posteriormente, em projeto, junto à Câmara de Vereadores.
Xande e Cleusa ensinaram à Adrienne e a mim, o prazer do trabalho, do bem, da perseverança, da simplicidade, do caráter; e também, que o erro é tão humano quanto o arrependimento e a evolução. Propiciaram-nos os melhores arroz/feijão/bife/batatinha frita/salada do mundo, em nossa mesa, que eu sempre punha, à mesma hora, diariamente e que sempre continha uma travessa com o pãozinho também. Mamãe sempre garantiu à mesa, beleza e sabor inigualável. Pudemos brincar de casinha, de cozinhadinho, corda, amarelinha, cantinho, bambolê, elástico, bicicleta, patins, skate; fizemos festas de bonecas, circos, íamos a clubes, passamos anel, tivemos árvores e frutas e rios e riachos. Sorvetes. O pão nosso, daqui de casa, é o Papai quem traz toda manhãzinha, antes de ir para o seu escritório.
Papai repassou a muitos rapazes, o seu ofício, e muitos ficaram muito bem profissionalmente, com o desenho; viraram homens e o reconhecem com respeito e carinho, ainda hoje, após décadas. Quando ia para a maçonaria ou outra atividade que precisava da gravata, me chamava para fazer o nó em meu pescoço. E eu ainda sei fazer nó de gravata. Nunca que papai chegava em casa e eu não saía correndo a buscar seus chinelos. Engraxei seus sapatos. Ele sempre brincava com a espuma de barbear; às vezes, lá na casa dele, ainda fico por perto, nesta hora, se dou sorte de estar por perto.
Mas o mais significativo para nós, além de tudo o que papai fez e faz é o modo como ele fez e faz. Se tento ser feliz todos os dias, cumprindo obrigações e lutando por minhas crianças, é pela minha gratidão ao amor, à dedicação e à resignação dele e de mamãe. Obrigada, Papai Xande, muito obrigada e que o senhor esteja sempre aberto às bênçãos de Deus, sempre! Parabéns.

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