quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Juventude e vida real

* Publicado no Jornal Diário da Manhã, em 15.08.08

Recentemente, em entrevista à Agência Efe, o cantor Djavan disse que "a salvação da alma está no trabalho", revelando que começou a trabalhar com apenas 6 anos de idade, "estudando música". Através da música, Djavan conquistou fama, sucesso e dinheiro, mas o cantor e compositor pratica dança, artes plásticas e estuda, por conta própria, a arquitetura e a botânica.
Autodidata, sua filosofia é o trabalho e o estudo. Para Djavan, ganhador do Grammy Latino de 2000 por melhor canção em português com “Acelerou”, sua inspiração está no dia a dia, nas viagens que realiza, com as pessoas que conhece. Entre seus compositores preferidos, cita Chopin, Beethoven, Claude Debussy e Mozart, Luiz Gonzaga, Chet Baker.
Djavan acredita que é preciso "ter vocação" para se ter "o suficiente prazer" no que se faz e "talento", mas principalmente "trabalho, muito trabalho". Ele nasceu em Maceió, mas se mudou para o Rio de janeiro para tentar a sorte.
Pois bem: quando comecei a ler a entrevista de Djavan, pensei xiii, justo ele... mas logo percebi que falamos a mesma coisa. Ele fala do trabalho criativo, do intelecto.
Por outro lado, cientistas americanos divulgaram na revista “American Sociological Review”, um estudo que identificou três genes que podem desencadear a violência em jovens de famílias pobres ou de famílias nas quais não existe a figura paterna. Mutações nesses genes foram detectadas e de acordo com os investigadores, “a relação com os genes foi muito específica na maioria dos casos de violência juvenil”. Ao que parece, as emoções modificam também os genes.
Em nosso Brasil, 64.1% da população começou a trabalhar antes dos 14 anos de idade, e 84.2%, antes dos 17 anos, segundo o IBGE, que divulgou ainda, que menos de 20% da população possui mais de 11 anos de escolaridade. O trabalho precoce tem produzido seqüelas laborais visíveis e tem custado ao Estado, que através do INSS paga caro por acidentes de trabalho, auxílios por doenças crônicas, processos por invalidez etc.
Segundo o arquiteto Oscar Niemayer, “a juventude brasileira atual lê pouco e tem formação embasada em preceitos individualistas do capitalismo”. Em suas palavras, "no Brasil, o jovem entra para a escola superior e não lê nada além de sua área até sair de lá. Cresce como um bom médico, um bom engenheiro, mas inteiramente alheio ao que acontece na vida. Fica incapaz de conversar qualquer assunto que não seja relacionado à sua profissão". Disse que os jovens de hoje são treinados para "só ganhar dinheiro". Também vejo assim, pouco se estuda por prazer ou o crescimento intelectual.
Em pesquisa divulgada pela Revista Isto é, dados indicam que para os jovens, aparência é fundamental, e a roupa que vestem denota sua personalidade. São consumistas, têm esperança de um mundo melhor, reconhecem a importância da família e dos estudos, não gostam de atuar politicamente em partidos, mas atuam em questões sociais, como meio ambiente.
Então, estas pontuações, se relacionadas entre si, indicam o caminho errôneo que apresentamos à nossa juventude.
O fato é que uma sociedade que não garante condições de crescimento integral, não pode, por exemplo, falar em redução de idade penal. Não se pode responsabilizar somente os jovens pelas suas delinqüências. Existe toda uma estrutura que convive com a delinqüência, que a favorece e que a estimula. São programas de TV, jogos de internet, vídeo games. Brincadeiras aparentemente inofensivas, comuns, entre irmãos, amigos. Profissionais de todas as políticas sociais, que não têm fé na vida, nem no que fazem e que não se dispõem a fazer o melhor possível. Pais e mães que procriaram e não assumem suas responsabilidades. Estado que não desenvolve a cidadania na saúde, na segurança, na educação, no trabalho. Mas a culpa é sempre do traficante, apenas.
Em todos os tempos, o cultivo dos esportes e das artes sempre esteve ligado ao desenvolvimento das sociedades, denotando suas capacidades físicas e intelectuais. É consenso que a arte tem a capacidade de sensibilizar, de aprofundar a humanidade, tanto de artistas quanto de admiradores, assim como, que através de esportes as pessoas moldam seus espíritos, com sentimentos de companheirismo, de humildade, de capacidade de superação e de persistência, disciplinando o corpo e favorecendo a saúde.
A nossa juventude, principalmente a oriunda de famílias de baixa renda, não possui espaços suficientes para seu desenvolvimento integral, nem recursos nem estímulo para isto. Precisa trabalhar para sobreviver ou está envolvida com valores que comprovadamente geram prejuízos sociais e futuramente econômicos, pois a cada dia o mercado de trabalho exige mais competência, flexibilidade e múltiplos talentos.
Ora, ou falamos sério e paramos para estudar os casos que surgem, cientificamente, observando variáveis e condicionantes de modo objetivo ou vamos continuar enxergando somente conseqüências, sem responsabilizar famílias, Estado e comunidades, que conforme o ECA são responsáveis pelos jovens.
Abaixo o ECA ou viva os direitos humanos?

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